domingo, maio 22, 2005

Gravar palavras com o bico da caneta


Porque as palavras fortalecem laços
e rasgam distâncias com a ponta dos dedos
Gravo a minha pele nestas linhas e
escrevo para ti com a alma vendada
a deslizar no papel .

Não olho as estrelas esta noite
porque aborrece-me o seu pálido brilho.
Prefiro abrir o peito com o bico da caneta
e deslumbrar o olhar com a luz
que encadeia este cego coração.

Tremer o corpo desde os dedos dos pés
até à raiz dos cabelos
imaginando o teu cheiro
impregnado na roupa
atirada para o chão.

Desaparafusar todos os pensamentos
cravados na cabeça bolorenta.
Varrer as teias de aranha
instaladas no tecto
e apagar todas as linhas da vida
por mim cruzadas na palma da mão.

Pinchar a boca com palavras rubras
e gritar para os meus sonhos amordaçados
que chegou a hora de voar.
De erguer as asas que teci
com penas de ilusão
e percorrer o resto do mundo
embalados num mar de tinta preta

domingo, maio 15, 2005

Poetisa


Ser poeta é ser corpo
e amar com a alma.
Ser poeta é prender o tempo
com três suspiros imortais
desfalecidos na garganta.
É sorrir para a solidão com os dedos pingando palavras
e fazer do mundo o seu sonho apenas com uma folha na mão.
Palmilhar todos os recantos
do coração despido
com uma caneta
espetada na pele.

Nos espaços vazios
que separam todas as letras
ocultar as batidas mais fortes
que lhe arrancam o peito.
Com frases curtas somar segredos
como se fossem pequenos grãos de areia
e com eles construir uma montanha
nos lábios da madrugada amordaçada
por beijos ruidosos.

Num verso sonhado
com a cabeça pousada na realidade
as lágrimas não sabem a sal
e a água que os olhos derramam no papel
queima a boca quando provada.
O fogo que lavra nos dedos
incendeia todas as folhas escritas
com o sangue servindo de tinta.

Entre dois sussurros
e um grito de prazer
debaixo de um lençol de seda.
faço nascer um poema
e não sou poeta.

domingo, maio 08, 2005

Bafo quente


Corro sozinha com os braços abertos
para a devassidão do vazio.
Sinto na pele fria
uma chama imensa
que devora o ar gelado da noite.

Sopra com força dragão
esse bafo quente
contra os meus sonhos
e incendeia-os de fantasia.
Leva a minha alma alada
pendurada nas tuas costas
enquanto durmo agitada .

Conta-me histórias
de um tempo que não existe.
Imagina as lutas
de heróis que se curvaram
perante a tua fúria.
Recria o choro
das donzelas cativas
que seus amados perderam
apagados na tua boca.

Foge comigo esta noite
se os meus olhos ainda estiverem em brasa.

Rasga o peito dos homens
que fizeram de mim
este corpo jogado ao vento.
Trespassa-lhes as veias
com as tuas garras
e bebe comigo o seu sangue doce.

Prometo com as estrelas
como minhas testemunhas
que irei embalar
todas as noites a nossa amarga solidão
com canções suspiradas.

Prometo escalar o céu de prata
vestida com uma túnica doirada
e com rosas de fogo presas no cabelo.
Debruçada no parapeito da lua
sorrirei para ti
enquanto reduzes na areia do deserto
os meus monstros a cinzas.

quarta-feira, maio 04, 2005

Pilhar a alma com o corpo


Estou sentada com o corpo irrequieto
deslizando na cadeira
e os dedos baloiçando no teclado
ao ritmo imposto pelas palavras bocejadas.

A cabeça percorre velozmente
todos os suspiros ecoados numa noite
e suborna os olhos com lânguidos acenos
para que mantenha aprisionadas na retina
as imagens despidas na escuridão.

O nariz empinado vai procurando
os aromas nocturnos que o deliciaram
por entre os cheiros rafeiros
que se espalharam no odor matinal.

As pernas cruzam-se
varrendo a esquerda e a direita
com movimentos oscilantes
em busca do encaixe perfeito.

A pele rebusca o toque incendiado
que a lambeu com beijos ardentes
enquanto as cortinas se encolhiam
na janela envergonhadas.

Sinto a frescura do vento
soprado com força
esbofeteando o meu rosto suado
numa tentativa de acordar a alma adormecida no corpo.

Mas ela dorme pacificamente
e louca ainda sonha deitada
com o coração servindo de cabeceira.