segunda-feira, março 20, 2006

Um céu caiado no silêncio


Nas palavras que escrevo
por uma estranha vontade
tenho um grito enjaulado.
À noite é uma fera cativa
que atiço com paixão
acenando com um corpo nu na minha mão.
De dia é um pássaro mudo
com sonhos costurados na alma
que o mundo por compaixão
vai deixando voar livre neste céu
que ainda cheira a silêncio pintado de fresco.

Daniela Pereira-20/03/06

sexta-feira, março 17, 2006

Com raiva me deito e com egoísmo me levanto...



Hoje é raiva que inunda o meu sangue não é mais a tolerância ou compreensão... É simplesmente raiva pura.
É difícil admitir como ser humano que sou, que basta apenas um minuto para destruir toda a sensibilidade de uma pessoa, mas não duvido que as palavras erradas no momento certo são como catalisadores para os maus pensamentos acelerando sentimentos negativos que temos em estado latente espalhados por todo o corpo.
Basta que se faça uma mistura explosiva com duas gotas de egoísmo e três de indiferença para que toda a confiança que temos em estender a mão ao mundo se converta num punho fechado.
Hoje deixei cair a primeira gota desta receita cruel e fi-lo deliberadamente sabendo que muitas outras se irão juntar a esta e numa acidez sem limites vão corroer tudo à sua passagem. Reduzindo até as memórias mais suculentas a uma mera pilha de ossos que até os cães vadios rejeitarão só para não sentir o sabor a podre que elas trarão às suas bocas .

Então, seja feita a Vossa Vontade...

Que a ternura seja enterrada num buraco bem fundo
de onde nunca possa fugir...
Que a doçura se funda
ao mais amargo fel
para que jamais mel pingue da minha boca.
Que as lágrimas não me recordem mais
porque chorei sem culpa nenhuma
para que eu nunca mais me sinta culpada
por ser quem hoje sou.

Que nestas palavras fique carimbado o meu desejo de ser livre e de viver pensando exclusivamente em mim e não nos outros. “Só os meus sentimentos interessam”, vou dizer vezes sem conta enquanto estiver a bater com a cabeça nas paredes tentando acreditar nas palavras que saem da minha boca.
E como crente nesta nova filosofia de vida, não deixarei de rezar todas as noites com imenso fervor
pelo egoísmo que nasce sempre nos ventres desiludidos das mulheres, porque hoje sei que nele encontrarei a derradeira salvação para a minha alma.

Daniela Pereira-17/03/06

sábado, março 11, 2006

A tolice de um sorriso que não queria aprender a chorar...



Tenho sorrisos para quem os pede e tenho sorrisos mesmo para quem não os quer...Sempre fui assim, uma mulher de boca larga. Que me importa que o mundo não os queira ver e prefira um rosto lavado com lágrimas? Eu tenho sempre um sorriso pregado na boca e nem a sujidade agarrada às lágrimas consegue conspurcar a sua inocência.
Que tolo é este meu sorriso! Sempre debruçado à janela olhando sonhador para um céu que nunca muda de lugar e na cor só de tom oscila. Mas ele gosta de sonhar que o mundo ainda tem emenda e que a crueldade das pessoas é passageira. Talvez por isso acredite que o céu não é só pintado de azul e que por detrás de uma nuvem existe sempre um arco-íris que espreita.
À noite olha com admiração para as estrelas ...suas eternas heroínas e inveja a capacidade que elas têm de encher de luz um mundo de escuridão. Também ele queria ter essa magia guardada na ponta dos dedos para dormir sempre aconchegado num abraço luminoso.
Que distraído que é este sorriso! Deixa-se estar ali parado debaixo de tantas nuvens carregadas que daqui a bocado é mais um sorriso encharcado que vem à rua...
Mas ele gosta de chuva e daquela frescura que teima em pingar nos seus lábios sempre que uma nuvem chora com ele. Que lhe importa se as gotas quando caiem do céu são pesadas para a sua pele tão frágil?
Ele quer é sentir que ainda existe vida num mundo de sentimentos mortos e a chuva dá-lhe essa sensação.
Eu tenho sorrisos para quem os quer...tenho este mas tenho mais alguns para escolha.
São doces e amargos...tenros e duros...fortes mas sem perder a fragilidade de serem naturais.
Não usam maquilhagem nem acessórios para ficarem mais vistosos aos olhos de quem os cobiça...
Preferem um sorriso a dois do que dois sorrisos perdidos por momentos numa multidão de risos.
Sorriem com um bom banho de espuma mas também gostam de sentir a secura na boca quando se sentem envergonhados. São sorrisos simpáticos...acho eu que já os conheço bem. Se calhar existem olhos que os olham desconfiados quando eles por vezes se fecham irritados. É normal porque ninguém gosta de ver um sorriso descontente...
Que sinceros são estes sorrisos que mesmo quando mentem ...mentem para fazer sorrir. Pode-se mentir com um sorriso na boca? Acho que sim...a alegria também pode ser um estado de fingimento basta não saber como ser alegre mesmo quando a alegria está colada nos nossos ombros.
Eu também tenho sorrisos tristes para oferecer, daqueles tímidos e encabulados que se movem no silêncio preferindo as sombras para recolher os seus passos quando caminham até ti.
São sorrisos tolos porque nunca aprenderam a chorar e por isso encerram a tristeza dentro de si como se o coração pudesse ser para sempre uma concha...


Daniela Pereira-11/03/06




sexta-feira, março 03, 2006

Filmar retalhos


Tenho saudades...
Saudades de expor apenas para ti
a minha vida em minutos
como se ela fosse uma curta metragem
que gostavas de ver despida na tela.
Não fiz pipocas para esta sessão de cinema
mas as minhas palavras
também estalam nos dentes
basta que as trinques com força.
Nos olhos guardo religiosamente uma pedra de sal
e se hoje não as quiseres tão doces
posso derramar uma lágrima
para as deixar ao teu gosto.

Mas agora não penses nos sabores
que te darei a provar
e deposita apenas na cadeira o teu corpo tenso
que eu vou baixar as luzes
e relaxar-te com carícias nas palavras.
Não temas mais a escuridão que foco no olhar
porque ela nunca será tua
e porque aprendi a afiar os olhos como tesouras
para recortar as nuvens
em mim apenas encontrarás luz.


Estás bem assim?
Ainda te sentes confortável no meu mundo?

Então, deixa-me aquecer os dedos
com o ar quente que me sai da boca fria
e escrever na pele um novo guião
para o filme da minha vida.
Mas não quero que me obriguem
a imaginar finais numa história que se quer infinita
porque só para respirar saudades permitirei intervalos.

Blue-02/03/06