segunda-feira, outubro 27, 2008

Para o vazio mastigar




Abro os olhos e engulo a seco o meu respirar...

Tenho o olhar distante e não viajo

por entre curvas e contracurvas

porque a minha mente vai mais longe

e não deixa marcas no caminho..

Silenciosa no chegar

põe o asfalto em brasa ao partir...

Vejo flores espalmadas nas nuvens

e o céu tem aroma a violetas

quando chove em mim...

Respiro...dispo o pouco que tenho de meu

e entrego-me a uma nudez interior

para que me soprem as chagas e o sangue seque mais depressa...

Cortei o cabelo e os ombros agora têm frio de manhã

e sem as negras ondas a aquecerem-lhe a carne

estão pálidos...chega de timidez dizem aos braços caídos...

Erguam-se e façam castelos no ar

porque os que fizeram na areia

há muito que viraram poeira!

Respiro...

Tenho saudades de sonhar com o mesmo abraço
sem ter que pensar porque é que estes braços não são teus..

Olho para os joelhos

encaixados nos ossos das pernas

e sinto-me estranha...

porque se elevam assim

duros como aços?

Não deviam ajoelhar

e abençoar todos os que passaram no meu chão?

Trago água benta nos dedos

para amaldiçoar todas as minhas tentações

mas tenho alma de anjo rebelde

que renunciou ao Paraíso

só para contrariar a linhagem dos frutos do pecado..
.

Engulo em seco o meu respirar..

já não tenho mais água nos olhos

e o meu rosto é só mais um deserto para o vazio mastigar...



Daniela Pereira

Direitos Reservados

quarta-feira, outubro 08, 2008

Daquele pouco que me faz sofrer tanto...



Hoje que não te tenho mais ao meu lado..
não te adoro ...eu simplesmente ainda te amo...
Amo-te até às lágrimas
porque os sorrisos já me parecem curtos demais
para levarem a minha boca até ti..
Os teus beijos secaram nos meus lábios pingados..
não resta mel nos dedos para lamber
não me dás mais flores para embelezar os meus dias..
mas também nunca me deste uma rosa..
nem uma pétala cheirei nas tuas mãos.
Entregavas-te deserto e eu era a água que matava a tua sede...
eram cactos que plantavas na minha pele
mas eu amava cada gota de sangue
que da minha carne arrancavas com o teu corpo..
Sentia-me viva quando sorria á tua espera...
sentia-me imortal quando chorava
porque o meu coração por ti batia
e tu não chegavas
mas sabia que vinhas a caminho...
Hoje choro porque não ouço mais os teus passos
trepando o chão na minha direcção
Sinto-me morta por dentro..
porque afinal sou mortal...
porque tenho palavras na minha cabeça
que parecem que nunca vão acabar
mas para ti já nada dizem...
porque adormeço com uma pedra contra o peito
que todas as noites o meu coração esmaga mais um pouco..
Já sinto raiva de te amar tanto assim..
já me sinto louca...
sinto que ao saíres da minha vida
viras-te o meu corpo do avesso
e eu nunca mais encontrei a minha forma...
Estou trocada...
troquei as ideias pelos vazios..
troquei as pernas pelo cansaço..
troquei o sol pela lua..
troquei os sonhos pela asfixia..
Estou trocada...
remendada ás pressas..
cortada às tiras
para ser agora devorada ás postas na escuridão.
Perdi uma parte da alma
porque dividi toda a doçura para o teu lado
e fiquei reduzida a fel...
Hoje já não te amo tanto..
amo-te mais um pouco...
mais um pouco...
daquele pouco que para ti eu era
e que para mim só esse pouco
já me faz sofrer tanto...

Daniela Pereira
Direitos Reservados