segunda-feira, novembro 24, 2008

O pedido

Pedes-me paz...
mas eu nunca te dei a guerra.
Não viste a flor branca que me prende o cabelo?
E a pomba que trago aninhada no meu colo...
Foi com penas dela que todas as palavras escrevi.
Mas o mar só me devolveu silêncio
e rochedos que rugiam baixinho
na maré baixa dos meus sonhos.
Fiz barcos de papel
com poesia nas velas...
e a bordo iam lágrimas de saudades
apertadas umas contra às outras...
Pintei estrelas com as poucas cores
que guardei junto ao peito..
Inventei abraços no vazio
que nunca chegavam.
Olhei espelhos
na esperança de ver algum reflexo
esculpido nas sombras...
tão cansada que me senti
da estúpida escuridão.
Pedes-me paz...
mas só me acusas
de me render à guerra...

Daniela Pereira
Direitos Reservados

quinta-feira, novembro 20, 2008

O mal não desejado...

Perguntei...
Achas que te desejo mal?
Respondeu..
Todo o mal que sentes é aquele que me desejaste a mim
Então lembrei os dias em que chorei
por não saber de ti..
Se sorrias acompanhado
ou choravas abandonado sem um abraço
a vestir-te o corpo...
Desejei-te mal?
Que mal se pode desejar a quem se ama?
A todas as saudades sem endereço
nem porta para abrir?
A todas as lágrimas que chorei
cansada por já não encontrar o teu sorriso
que conhecia tão bem como a cor da minha pele...
Que mal posso eu desejar?
A todos os sabores guardados na minha boca
recordando mil e um beijos dados com paixão?
Se eu os tivesse queimado
juntamente com cada pedaço do meu corpo
que já foi teu..
ainda teria a alma para me lembrar de ti.
Não quero que penses em mim disse...
Como se o pensamento fosse um interruptor
que se liga e desliga mediante a amplitude de escuridão que nos assola o rosto...
Como se o pensamento fosse uma folha de papel com palavras escritas a mais...
pedindo para serem apagadas com tinta branca...
Desejas-me mal?
Não..só desejei mal a mim quando lutei por ti...







O meu lado oculto


Se as paredes do meu quarto tivessem sido erguidas com boca e garganta suficientemente forte

para te gritar ao ouvido todas as noites que passei em branco a rezar por ti...
A pedir a Deus que não sentisses frio...que cuidasse de ti..
Se todas as lágrimas com que encharquei a minha almofada não estivessem hoje secas...
Se os meus olhos não estivessem pintados com sombras coloridas para disfarçar a vermelhidão com que me levantei todas as manhãs por ter adormecido sem te ter ao meu lado...
Se visses as horas que passaram na porcaria dos relógios que o tempo não poupa..se visses todas as horas que perdi sorrindo com lembranças do teu cabelo..do teu olhar que me despia em sonhos porque na realidade deixaste-me vestida com um longo vestido preto costurado nas curvas do meu corpo...
Se me tivesses visto perder o apetite por já não conseguir esconder a dor que sentia porque a única fome que tinha era da tua imagem...
As tardes em que corri como louca para o jardim para ficar sozinha entre as flores e sentir-me por momentos de novo bonita rodeada de tanta beleza...porque tu ao ires embora deixaste-me feia
Que mal desejei a ti?Amar-te como amei foi desejar o teu mal?
Sofrer com a tua ausência,foi um feitiço contra ti..sugou-te as forças?
E as minhas forças?Quem as tirou de mim?Quem deixou a minha alma a sangrar e ignorou todo o meu sangue que corria desesperado nas minhas veias tentando chegar até ti?

Daniela Pereira

quarta-feira, novembro 12, 2008

O que distingue o ser humano de uma formiga?



O ser humano perdeu a capacidade de sentir culpa e responsabilidade pelos seus actos...
Numa sociedade em que as relações são descartáveis e fúteis na maioria das vezes, os sentimentos passaram para segundo plano..tornamo-nos canibais dos nossos instintos e desejos e perdemos a capacidade de saborear o que de bom nos é dado,para desejar sempre mais e melhor sem nunca nos sentirmos satisfeitos.
A sociedade só perde o seu egoísmo quando o mal lhe bate à porta e o mal dos outros desprezado for sentido na própria pele...aí todos descobrimos que não somos imortais mas sim humanos...só se aprende a dar algum valor ao sofrimento dos outros quando sofremos...só aprendemos a dar valor ao calor de uma palavra quando precisarmos dela e não a tivermos.
O ser humano ainda não aprendeu que a felicidade é um estado temporário e não é um bem adquirido...só seremos realmente felizes quando conseguirmos olhar para dentro de nós sem um único remorso...sem um único pensamento por expressar..quando todos os sentimentos forem livremente partilhados..quando a vergonha de dizer que sentimos..que sofremos..que sorrimos..que amamos ..quando essa vergonha de admitir que erramos..que somos frágeis mesmo aparentando ser fortes..quando essa vergonha for uma miragem o ser humano será um ser completo
Hoje nada mais somos do que formigas num carreiro, seguindo religiosamente o caminho que outros traçaram antes de nós..sem coragem para fazer um desvio.

Esta é uma imagem de desilusão..é mesmo um grito sentido de desilusão.
É perceber que não vale a pena sentir ou dizer o que se sente, porque já não existe tempo para ouvir as palavras dos outros...
É sentir que engolir uma dor é mais proveitoso para o mundo do que a libertarmos,porque corremos o risco de sermos acusados até por sofrer.
O mundo está a tornar-se frio,incrivelmente egoísta...nós estamos sempre primeiro que a pessoa ao lado,pode-se abandonar,destruir,ferir que tudo é permitido porque o fazemos para ficar bem mesmo que o outro não fique...
Se isto não é egoísmo,então já não conheço a definição dessa palavra...
Sem querer ser fria, porque acho que nunca o conseguirei ser..este é um grito para ser libertado.."O mundo está a tornar-se egoísta e insensível..está a perder a capacidade de sentir calor nos pequenos gestos que recebe todos os dias..um dia não haverá braços com vontade de abraçar..nem sorrisos preocupados com uma lágrima..um dia seremos como as pedras..imutáveis ,frios e distantes"

Assinado:

O desabafo de quem sente que já de nada vale sentir...

terça-feira, novembro 11, 2008

Aguaceiros




Cai chuva lá fora...
são aguaceiros a rasgar o frio de Inverno.
Chove mais aqui dentro
são tempestades à solta
que pendem dos meus olhos.
É fria a gota que me beija a boca...
é de gelo o vestido que enverga
e quando dança no meu rosto
o meu coração congela.
Chove...
é chuva aquilo que cai lá fora?
A chuva pesa tanto ao cair?
Quase que juro
que a cada gota que se perde no chão
há um buraco que se abre debaixo dos meus pés
e se prolonga até às profundezas do inferno.
Quase que juro..
que as gotas se desfazem em fumo
quando se enroscam na minha pele.
Chove mais aqui dentro
são nuvens negras a sorrir
e com cara feia
encharcam-me o pensamento
com chuva ácida..
Porque chove mais aqui dentro
do que os aguaceiros que caem lá fora?
Serei eu um pedaço de nuvem
que alguém esqueceu de erguer até ao céu
e me deixou eternamente presa às raízes que brotam na terra?
Será o meu corpo..
água fresca para carpir?
Chove tanto cá dentro..
por favor tragam um arco-íris para junto de mim!

Daniela Pereira
Direitos Reservados

quarta-feira, novembro 05, 2008

Liberdade nos dedos e cinzas na garganta...

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Não queria este olhar triste que de mim irrompe...

Queria rasgar as estrelas

com a mesma garra com que sempre as devorei nos meus olhos...

Lembrar-me de ti é lembrar-me do sorriso mais puro que perdi...

dos gestos tão verdadeiros que do meu corpo brotavam

a cada olhar teu que cruzava com o meu...

Subia o teu corpo e o céu era mesmo ali

debaixo do teu peito..

nas curvas do teu pescoço

e o sol dormia na tua boca

quando a enchia de beijos a ferver.

Será que ainda vês a lua

quando elevas os teus olhos na direcção do tecto?

Estará ela ainda suspensa no telhado...

ou já a fizeste em pedaços

para iluminar a escuridão no teu quarto?

A lua a mim já não me visita ...

acho que perdi a varinha de condão

no dia em que te foste embora...

parti-a no chão...

só ficaram vidros coloridos

e pozinhos de estrelas a encharcar-me o chão...

Até a folha de papel entristeceu as palavras

com a tua ausência

e o vento que as levava até ti

deixou de soprar..

Está deserto o meu olhar..

vazio e sem rumo

Perdeu o Norte..

desconfia do Sul

e tropeça sempre que caminha para Oeste...

a Este nada encontra..

Se as lágrimas fossem uma certeza do que sinto...

já teria um mar bem profundo

para navegar ou para ficar simplesmente à deriva

esperando que um dia me encontres

nas tuas viagens ao centro da tua alma.

Já teria rompido o ar com gritos e gritos

até explodir os pulmões do teu silêncio

para fazer uma vela com os restos do teu fôlego..

Amarga é a saudade solitária

sem braços que a aguardem ansiosos...

sem ombros para descansar de longas caminhadas no vazio...

Triste é esta saudade que dança nos meus olhos

perdida sem ti...

Raios partam estas lágrimas que não param de cair

sempre que me surges no pensamento

vestido de mil luzes e despido de outras tantas sombras!

Falta-me o ar e estas malditas lágrimas só me sufocam..

Dizes que és passado?

Então porque te sinto ainda tão presente dentro de mim?

Fugiste do meu mundo?

Então porque é que o meu mundo não dá nem um passo em frente

se tu não estiveres por perto

para me segurar quando sinto que estou a cair...?

E se tu cais?

Porque sinto que preciso de te erguer de todos os buracos

e de aquecer todos os frios que nascem em ti?

Eu estou no chão...de olhos pregados a todas as pedras da calçada...

com gelo a correr-me nas veias e mares a rebentarem-me as costelas.

São ossos...o que vou cuspindo da boca para fora

de tanto embater com o corpo contra às pedras.

É a minha carne que queimo todos os dias na escuridão

só para não me habituar demasiado à noite...

É o meu coração que bate forte ..tão forte mas sem ninguém o ouvir...

É o meu peito que recorda o aroma dos teus cabelos

quando dormes...

e se cheira uma flor

logo ali me diz que o perfume das flores é uma grande mentira...

É a minha voz que esconde o teu nome de anjo

atrás da língua com medo que a ouças a chamar por ti...

Não queria este olhar triste e banal

com erros passados pesando nos olhos

e das palavras convertidas em memórias sem futuro

não queria sentir nem um traço...

Raios partam o vermelho dos cravos e

o amarelo dos girassóis..

e o chilrear dos passarinhos

e os peixes nos anzóis...

Hoje a minha liberdade é cinza

os girassóis só me mostram onde se escondeu a lua

os pássaros irritam-me os ouvidos

e os peixes ...

esses ..

têm demasiadas espinhas

para deslizarem suavemente na minha garganta...


Daniela Pereira

Direitos reservados