sexta-feira, fevereiro 04, 2022

Oca esperança

Não queria escrever um poema... Mas todas as noites, escrevo um poema para acalmar algum mundo que me possa ter doído durante o dia. O mundo hoje esteve um pouco dorido e machucado. Podia ir para a rua dar pão aos pobres e dar ao mundo algum gesto mais nobre. Podia mas não fui, fiquei sozinha em mim a nutrir a alma. Podia ir ao fundo da terra, levantar o corpo frio aos mortos.. Usar as minhas mãos para os aquecer. Podia, mas escolhi morrer por dentro com saudades.
Não queria escrever um poema, mas ele já rabiscou um sacana de um sentimento nas minhas costas. Podia amordaçar as mãos, para não darem nem mais um passo... Para aguardarem da mente novas e sensatas ordens. Podia, mas o meu coração não tem emenda. Não é um mau coração, posso jurar a pés juntos que só escreve de si, o que de tão profundo sente. Não queria escrever um poema esta noite, mas a poesia não me quer a dormir. Está um pensamento bonito à janela... Já não lhe vejo bem o rosto, porque o tempo desfocou-lhe os traços. Há um vazio que o quer engolir e eu preencho o céu com estrelas e boas memórias. Porquê? Não sei.. Faço poemas que hoje quase ninguém lê... Escrevo palavras que o mundo actualmente, talvez ignore... Mas o meu interior é assim, dissolvido em silêncio numa tijela morna com letras. Que ninguém entende, porque já ninguém o lê. E eu escrevo poemas que já não falam de amores nem de corações quentes.. E eu escrevo poemas que já não relatam o sangue das minhas batalhas nem cicatrizam o sal das minhas lágrimas. E eu escrevo poemas que já ninguém lê e que já nenhuma alma comove. Mas eu tenho esperança de morrer outra vez e renascer na pele crua e pura de um poeta... E eu continuo a escrever histórias de sombras e de luzes em ocos versos .. Que já ninguém entende... Que já ninguém lê.

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