Agosto 21/2009 23h50
Boa noite...Não penses que estou a despedir-me de ti, muito pelo contrário estou apenas a chegar.
Esta noite sinto-te diferente, pareces estar mais clara apesar desse teu tom de folha de papel envelhecida à luz de um candeeiro.
Ontem decidi que quando sentir vontade, virei sempre aqui visitar-te e falar um pouco contigo...Afinal tens sido a amiga mais fiel que eu até agora encontrei.
Venho aqui fazer aquilo que mais gosto de fazer...tu sabes...tracejar-me em ti..
Pensei até num nome para baptizar todas as horas que irei partilhar contigo...mas uma palavra pareceu-me pouco e estendi a corda.Em vez de um nome inventei logo uma frase inteira... "O diário de um coração aflito sem colesterol"
À primeira vista pode soar-te um pouco estranho...mas vais ver como faz sentido. Pensa assim...vou falar de um coração...do meu coração e de tudo o que ele me irá fazer sentir.O que ele já sentiu é importante mas acho que já perdi alguns sentimentos por aí..a eternidade nunca me ficou bem.
Inicialmente este coração terá alguns acessos de aflição...andará certamente perdido na busca de outros rumos, já cansado dos caminhos errados que cruzou.
Vais senti-lo fragilizado e embrulhado numa complexa alcateia de memórias que lhe infernizam a cabeça enquanto ele vai tentando escapar ileso de cada ataque sofrido ...Continuar vivo e a bater pode ser considerada a sua grande vitória, tudo o resto será uma humilde derrota.
Um pouco à semelhança de um coração doente, onde sabemos que a circulação é barrada por camadas e camadas de gordura..este coração também estará aqui a tentar lutar para sobreviver...entupido em desilusões.
Agora só quero falar-te no dia de hoje...da actualidade, como se me visses numa página de jornal cravado de notícias para dar.
O meu coração ontem andou no meio de uma pequena tempestade, mas curiosamente hoje acordou com uma tranquilidade que sinceramente até me meteu uma certa inveja.
Tudo, porque o coração andou tão calmo o dia inteiro, mas o corpo estranhamente deu sinal de alguma instabilidade ao raiar do fim do dia.
Acredito que a ondulação de humores do dia anterior, não terá exercido uma boa influência no funcionamento desta máquina que levo atrelada à massa de carne e ossos que me constitui humana.
Senti uma tontura repentina..uma coisa parva durante um gesto habitual que consistia em erguer a minha cabeça do chão.Ando destreinada na postura de corpo imbatível..
Por breves instantes não sabia muito bem onde tinha os pés porque o chão parecia que me queria sugar para algum buraco.
Não me preocupei muito, porque sabia que as minhas emoções estão intimamente ligadas às reacções do meu organismo.
Em mim, existem tensões que disparam e nervosismos que deviam supostamente ser relaxados... antes de acumularem ansiedades que podem explodir mais tarde como se fossem uma bomba..deixando-me em pedaços difíceis de apanhar.
No entanto...e já que hoje os meus pensamentos estão focados nas fraquezas corporais que possuo,devo confessar que me apercebi que estes olhinhos cor de terra...que já tiveram uma visão digna de um lince...estão a precisar de uma séria manutenção. Existindo mesmo, o risco de já não conseguirem enxergar o resultado de uma partida de futebol quando exibida no grande ecrã. Considero isto um assunto grave, mas como na área da saúde posso dizer que andei na chamada época alta no que diz respeito a doenças.A minha habilidade ocular foi-se adiando ...
Mas adiante, antes que comeces a pensar que virei hipocondríaca ...tendo em conta o que já passei, seria fácil olhares para mim com essa dedução bem afinada na tua cabeça.
Curioso, falar contigo está a deixar-me ensonada..talvez seja porque nunca me respondes e o silêncio gerado no quarto embala-me depressa.Por isso, vou deixar este tema em banho maria para ter ainda algum tempo para falar do meu coração com termos menos técnicos e mais subjectivos.Acho que algumas pessoas chamam a isso, falar com alma...eu não quero falar "com"..mas sim "da" alma.
Como já te tinha dito nalgumas linhas que ficaram para trás... o meu coração hoje esteve calmo. É raro vê-lo assim a conseguir tão grande feito..há imenso tempo que ele não tinha um dia tão tranquilo...quase em paz.
Acordou cedo..foi trabalhar e ainda conseguiu ter a coerência necessária para passar alguns instantes ao ar livre a querer sentir-se bem sem ter muito em que pensar.
Isso não quer dizer que ele já ande esquecido..nada disso, mas hoje simplesmente não sentiu grande necessidade de lembranças.
Brincou um pouco..imaginou outro tanto..idealizou lagos e recantos melancólicos onde pensa mais tarde descansar das suas próprias melancolias.
Hoje não perguntou ao mundo inteiro como ele estava..nem sequer fez essa pergunta (que já foi tão habitual) aquele pedaço fora do eixo que ele viu ser arrancado voluntariamente de si.
Não tem feito diferença alguma perguntar..por isso hoje não o fez. Existe sempre tanta estática no ar que não há resposta que ao coração chegue...isolou-se das perguntas como se elas fossem uma doença mortífera.
Logo, guardou a pergunta para si com medo de contaminar o mundo e desejou que ele estivesse bem e deixou o mundo satisfeito com o coração a bater lá pelos seus lados..
Vertiginosa esta sensação de estarmos sozinhos com uma memória que desvanece deitada ao nosso lado...
Se ela acordar diz-lhe que ainda não morri!
Daniela Pereira in "O Diário de um coração aflito sem colesterol"
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sábado, agosto 22, 2009
sexta-feira, agosto 21, 2009
Digo-te depois...
20 de Agosto de 2009- 0 : 59m
Querida folha de papel....esta noite sinto-me estranha...pensativa. Deve ser ridículo para ti, ouvires-me a dizer isto. Já me conheces bem e sabes que eu em muitas outras noites me isolei aqui contigo ou com outra igual a ti a dizer o que sentia.
Tornou-se um vício difícil de superar...mas podes estar descansada que pelo menos eu não fumo.
Hoje foi um dia complicado..tive que amarrar algumas palavras na boca, mas algumas conseguiram escapar e fizeram o seu prejuízo.
Não fiquei triste porque desta vez não senti que tinha cometido algum erro, mas lamento que dizer as coisas...mostrarmos que defendemos aquilo em que acreditamos, consiga por vezes ser a tarefa mais complicada do mundo. Porque arrastamos algumas convicções que não são nossas nessa enxurrada de crer.
Custou-me ter feito parte daquele triângulo de discussões...Tenho a utopia que as palavras podem só dar origem a momentos de compreensão e harmonia. Acho sempre que vão entender claramente aquilo que estou a querer dizer com elas...
Mas cada pessoa pega na palavra que para si quer e deixa muitas delas de lado...alguma coisa..uma nuance...um pedido..uma desculpa fica a falar baixinho a um canto e é provável que passe despercebida.
Sei isso...apercebi-me disso, porque tenho tido a minha colecção de diálogos incompletos...de monólogos acalorados e de silêncios imprevistos.
A única explicação que encontro para todos estes factos comuns é a partilha imperfeita daquilo que queremos expor de nós mesmos quando achamos que o mundo certamente estará aqui para nos ouvir...
Por vezes penso...por vezes...mas quem é que eu quero enganar? Não é..."por vezes"..é sempre!
Eu penso sempre se existirá uma forma mais inteligente de comunicar com o ser humano.. Porque com os animais sentimos que é tudo tão fácil. Que cada gesto é apreciado...absorvido no instante em que ele parte de nós.
Não há tempo se quer para ser formarem as incómodas dúvidas de como será recebido...
Devia ter nascido cão...certamente seria um ser muito mais comedido e sensato!
Este tem sido provavelmente o ano da minha vida em que mais questionei o que me rodeia e tudo o que entrou ou saiu de mim.
Acho que me tornei incrivelmente chata..monótona..tremida e nunca tive tantas dúvidas em posição de assalto cá por dentro.
Percebi que acabo todas as minhas frases com um par bem dado de reticências alternado com os bem ditos pontos de interrogação.
Apesar de tudo, as dúvidas e os medos vão diminuindo a um bom ritmo e só isto me permite estar aqui a desfilar os meus pensamentos com a noção que não ficarão muito tempo só para ti...( tinha razão,não ficaram!)
Há muito tempo que deixei de esconder quem sou... é talvez o meu maior acto de coragem, mesmo que ele seja também a razão para muitas das minhas entorses e derrapagens.
Talvez tenha mesmo que ter cuidado com os vazios que vou encontrando nos meus degraus..preciso de aprender a não achar que eles me vão sugar todos os passos que ainda quero dar.
Olhar para eles como se eles fossem balões que ainda estão por encher. Esvaziei-me...amanhã arranjo uma forma ( imaginação é algo que não me falta) de me voltar a encher em vez de lamentar o espaço em branco que em mim ficou.
Tenho-me concentrado a reunir todos os defeitos e obstáculos que sei que vão surgir sempre que der um passo em falso.
Se eu fosse uma pessoa excessivamente organizada, diria que estaria a esboçar uma lista com os meus erros e todas as emoções que eles despertam em mim...
Mas não...vou apenas recolhendo pedaços aqui e ali daquilo que sinto a olho nu...
Acolho bastante a dor...
Espremo algumas lágrimas...
Maltrato alguns dos meus sorrisos..
Conheço novas entradas para o medo..
Retiro-me e depois atiro-me de cabeça nas compostas dúvidas...
Finalmente tento arrancar explicações...
Uns dias acordo cheia de ganas e esperança... noutros dias simplesmente apetece-me nem acordar.
Sabes, apesar de estar a falar com uma folha de papel, sinto que o estou a fazer com toda a clareza..mostrando o rio de pensamentos que me sobressaltou esta noite. Parece-me ser uma atitude de uma pessoa normal..de uma pessoa que talvez ultrapasse um pouco em alguns momentos a necessidade que as pessoas sentem de parecerem turvas naquilo que lhes corre no pensamento.
Eu acho que preciso de me sentir límpida em todas as minhas águas para me sentir pronta para regressar ao meu flutuar diário.
Isto fará de mim alguém que perdeu o juízo ou uma pessoa que simplesmente está farta de engolir tanta sujidade?
Digo-te depois...
Daniela Pereira in "O Diário de um coração aflito sem colesterol"
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domingo, agosto 16, 2009
Foi doce...
Vou cantar à janela
que a vida é bela...
Que o meu amor
pode ter espinhos
mas tem rosmaninhos para dar..
Que a flor morreu
mas ainda tenho
que ter algures em mim
a sua semente...
Que a chuva que cai dos meus olhos
um dia vai deixar de ser tão salgada...
Foi doce o meu olhar
quando se enchia de ternura
Foi doce..
Queria uma cantiga de amigo ao pé de mim..
Um ombro para adormecer
quando me sinto cansada...
Uma mão para apertar a minha
e nunca mais a largar..
Queria caminhar...
Queria fazer poesia
por sentir magia dentro de mim..
Não queria ter palavras
só porque me apetece chorar...
A poesia é um sopro de vida
não é o lamento de quem se sente a morrer!
Queimem-me os lenços...
Se tenho palavras
que sejam para exaltar os sorrisos...
para mascarar a minha morte..
para inventar versos e canções..
para carimbar nas paixões..
Porque levas-te de mim tanto
para hoje sentir um pouco mais
o que ficou gravado nas paredes?
Asfixias-me a inspiração e já nada bate certo
na fragilidade dos meus dedos...
Deprimo as letras...deprimo as letras
e conduzo os versos
a um suicídio lento
porque não os deixo fugir
da onda triste
que me visita todas as noites...
Perdi o dom de fazer sonhar..
Fada azul sem varinha de condão..
Borboleta voando ás voltas...perdeu a flor..
Tinha olhos onde brilhavam estrelas..
Luzes no rosto e a escuridão
presa a um canto.
Por ironia...fui eu que a libertei!
Estou farta das palavras...
Estou farta de dizer o que sinto...
Apetecia-me enterrar bem fundo
a tinta e o papel..
Encerrar o meu corpo numa concha
e ficar a vê-lo a apodrecer!
Talvez, até queimar a alma...no Inferno
Fugir para uma mata e repartir a fome com os lobos
para ver se eles uivam mais alto que o meu peito
ao recordar os beijos dados ao luar.
E eu que adormeci na tua toca pensando que a dor nunca chegaria para me comer...
Como ela me devora sem dizer uma única palavra!
Uma poetisa deprimida está à janela
devorada em silêncio
a fingir que a vida é bela..
Enquanto o mundo a esquece...
Ai,como ela o merece!
Daniela Pereira in "Foi doce"
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sexta-feira, agosto 14, 2009
Estão moribundas as violetas
Tens folhas no cabelo...
Não parecem caídas do Outono mas estão enrugadas
como se o vento as tivesse tentado engolir na primeira ventania que lhe saiu da boca..
Olho de perto... tens flores de papel no cabelo
São violetas de papelão pintadas com aguarelas..
Tens sombras negras ao espelho...
restos de ti que alguém de ti levou sem pedir..
Estás inteira ou deixas-te os teus pedaços num passo qualquer?
Está uma ave presa numa gaiola que canta até enrouquecer..
Não a ouves declarando-se às nuvens que lhe cobrem a voz?
Não quer mais chuva no jardim
nem gotas de água nas suas penas...
Que pena que o ar cheire ainda a tempestade...
Sopro-te as folhas do cabelo...
ansiosa invento um dia de sol
só para te ver dourada
com a pele nua
a dar vida às violetas ...
O Outono está moribundo no teu olhar...
Daniela Pereira in " Estão moribundas as violetas "
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quarta-feira, agosto 12, 2009
É facil amar...o dificil é sentir que amamos...
Os dois lados do Amor e meio poema por escrever...
O lado bom do Amor...falar do lado bom do Amor é como falar de todas as coisas no mundo como sendo perfeitas.
Quando se ama até os defeitos nos convencem...porque simplesmente não há defeitos no amor...os erros são pequenos...os esquecimentos perdoáveis e todas as atitudes parecem já vir munidas de aceitáveis explicações que se aceitam alegremente...
A chuva é doce...o sol um saboroso pingo de mel...a Primavera é a estação dos amantes e dos rouxinóis...
As manhãs são adoradas e as noites mais desejadas do que nunca...
Um respirar faz-nos sorrir...um suspirar do outro ao nosso lado enche-nos de emoção..é quase um milagre partilhar um momento assim,mesmo que ninguém veja o nosso sorriso porque já dormem tranquilos...
O medo faz-nos lutar como feras e o desconhecido converte-nos em excepcionais aventureiros que nada temem...
O nosso sorriso é parvo e cola-se aos nossos lábios de 24 em 24h sem períodos para folgas ou descansos..como a nossa boca trabalha feliz quando fabrica um beijo!
O amor quando sorri para nós dá-nos a imortalidade...porque se morrermos abraçados é certo que subiremos aos céus...
E quando o Amor fica negro e o lado mau do sentimento vem ao de cima galgando a escuridão?
Falar do lado mau do Amor...é como falar de nada e de coisa nenhuma,porque já nada ali acontece...é dividir o que o Amor um dia uniu...é cortar em pedaços o corpo já sentido por inteiro...é vê-lo deformado em qualquer espelho..é quebrá-lo e imaginar os anos de angústia que nos vão olhar de frente.
Quando já não há amor, só os defeitos nos prendem a atenção..Tudo se nota! Aquela pequena nódoa caída no peito que antes não estava ali..aquela dúvida nojenta que ficou sem resposta..aquela culpa malvada que adoptamos como nossa e provavelmente não será a culpa de ninguém...
Os erros surgem demasiados grandes e já não se medem aos palmos...o mínimo deslize é desculpa para uma tempestade nos encerrar todos os caminhos que iam dar á luz e passamos a viver como morcegos..ávidos pela escuridão porque a claridade fere.
A chuva é fria...cai gelada nos ossos..o sol parece que perde o calor...o Inverno é a estação das despedidas e de todos os silêncios que crescem gordos e satisfeitos com os restos de uma separação.Aqui jazem os abutres e os corações abertos devoram!
As manhãs acordam com os olhos inchados e as noites são amaldiçoadas...trazem memórias e confusão.
Respirar é um alívio..por vezes pensamos que a escuridão até nos pode sufocar...ficamos hipocondríacos da dor e pedimos para encontrar o ar que gastamos nos gritos ao vazio.
O suspirar é a nossa língua quando enterramos os olhos no chão ao pé dos nossos ossos. Descobrimos que afinal temos fé e queremos acreditar...
O medo arrepia-nos e incrivelmente tudo nos mete medo...até a pequenez da nossa sombra..paralisamos quase sempre..damos um passo atrás onde o chão estava seguro. O desconhecido causa ansiedade e já não desejamos mais surpresas...
O nosso sorriso é puro...porque é raro. É quase uma jóia preciosa que só brilha lá no fundo quando ninguém a vê. Temos medo que alguém leve o nosso sorriso outra vez e o abandone bem longe de nós...Disfarçamos as nossas riquezas atrás das lágrimas e semblantes tristes ..baixamos as bocas em sinal de respeito pelos sorrisos que já nos foram roubados. O Amor foge...
Como a nossa boca por vezes já nem sabe o que fazer...bocejamos aborrecidos e apáticos mordendo os lábios até sangrar para a saliva recuperar uma percentagem do seu gosto.
O Amor quando chora põe os olhos na Morte e sente-a por perto quando se desfaz em lágrimas e ninguém o escuta..estende a mão e ela volta vazia..
Aqui descobrimos que somos mortais e que deuses são os outros...a felicidade foge se não a agarrarmos com força sem a pouparmos da liberdade.
É a mais incrível descoberta...não queremos morrer sozinhos...
Daniela Pereira in O Amor é uma invenção por acabar
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domingo, agosto 09, 2009
Um coração (in)válido
Se o meu coração fosse um barco
a navegar com velas vermelhas
pintadas contra o vento...
O meu amor seria a ilha deserta...
porque o meu desejo naufragou...
Se o meu coração fosse uma serra
já teria rasgado o horizonte
de alto a baixo
para encurtar as distâncias...
Se o meu coração fosse de chocolate
desconfio que hoje não se derreteria
à primeira chávena quente oferecida...
Mas não nega
que deixar de sentir frio por dentro
lhe ia saber tão bem...
Encomendei aos Céus...
Flores para dividir com a terra
que encontrar no meu caminho...
Quero tirar o cheiro a pó
que as pedras ganham
quando os passos andam de costas voltadas
a trocar a direcção às voltas da vida...
Visto malmequeres a todas as lágrimas
mais duras que chorei
e a minha dor já tão madura
há-de ostentar cravos verdes no pescoço
para se sentir original....
Porque a tristeza
quer-se sempre mais bela
para alguém a apreciar...
Sevilhanas e santolas arejadas
vão dançar em cima do destino
até ele me pedir a conta
reclamando que o meu direito à festa chegou ao fim...
Há-de haver um doce para a sobremesa
e um vinho rasca
para beber à noite num jardim...
Sonhos que ficaram á porta
com medo de pedir para entrar
e palavras rotas
que se descosem na boca
sem dinheiro para sair...
Quebrei mil tormentas
sem promessa de ver o limite da tempestade...
Dobrei perdões de joelho
ao vento que passava por mim a assobiar..
e ao fim ao cabo
nada de novo se alcança
num mar onde os sentimentos se afogam
e as recompensas ficam guardadas...
Há sempre um mar bravio que nos rouba a vida boa no meio da viagem...
Há corações inválidos que perdem o prazo para amar...
Joguem-nos borda fora que atrás vem carne branca para trincar...
Estes estão crus por dentro...sabem a sangue ao paladar...
Daniela Pereira in (In)validar
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domingo, agosto 02, 2009
Às Horas mortas...
à meia noite e trinta e sete a caneta escrevia um ponto final...
Hoje queria adormecer sem dar tempo para os pensamentos se instalarem. Gosto de lhes retirar todas as almofadas e encostos, na esperança que façam cama noutro recanto...bem longe do meu parapeito.
É para lutar outra vez? Para ir inventando um ou outro sorriso no vão da escada...Então invento um chão que me suporte o peso ao cair. Tudo para sofrer com o corpo mais leve...
Tenho uma rosa vermelha no coração...desfolhada por um belo milho rei e canto lindas cantigas com os dedos em arco e um rouxinol engripado na barriga. Sou rainha e o meu trono é decorado com letras azuis e versos brancos.
Queria dizer que amanhã vou saltar para outro lado onde os mortos renascem ,mas estranhamente sinto-me bem aqui...nesta realidade tão distinta dos meus sonhos.
Fiz bem em aterrar nesta montanha, para não ter que pedir ajuda quando quiser subir outro coração que se diga gigante ...
Já cá estou no alto...fitando o mundo tão pequeno a sorrir a preços bem baratos lá em baixo..é educado sorrir mesmo que no teu peito rebentem prantos...
Não me apetece sorrir..posso passar o meu sorriso para aquela alma que está ali ao lado,só para não me esquecer como se faz? Posso?..
E um grito..posso dar?
Daqueles gritos que nos arrancam os restos cravados a jeito e nos elucidam a mente quando se calam..
Expurgar os fogos que nos consomem por dentro com um par de lágrimas bem dado...
Tens razão devia pular como os macacos entre as revoltas e impotências que me cercam os ramos verdes no olhar...
Podia também traçar um projecto de fuga à incompetência sentimental atribuída à dor, realçando todas as linhas por onde caminhei à beira da estrada e onde fui atropelada ao primeiro passo em falso..e lá fiquei abandonada na berma com os sentidos desencontrados.
Igualar a estupidez de um silêncio à dureza de uma palavra libertada quando o mundo nos parece querer irremediavelmente fugir e a querer lhe dizer insistentemente .."Não fujas daqui!"
Não adormeci...tenho medo do amanhã, mas cruelmente ainda respiro...
Dar um murro na mesa por vezes não faz o coração parar e eu gosto quando sei que o meu ainda bate...
Estender a mão , não é promessa de receber outra mão apertada na volta..podemos receber um laço apertado ao pescoço ou regressar com a mão ainda mais vazia e sufocar de admiração... A lei da Vida teima em ser assim... distorcida..
Não vais chorar mesmo que os teus olhos implorem esse direito a uma descarga emocional de joelhos! És mais forte que todos os mares onde já te afogaste..tens a prova vida nos teus dedos que ainda estão secos e nas palavras que mesmo húmidas não param de jorrar alheias à tua mão que já se queixa dormente...
Mais um minuto acordada e conheces-te mais um pouco..vale a pena aldrabar o cansaço.
Vais fechar os olhos à tua luz,só porque a noite a razão em ti quer cegar?
És um padrão amargo no tecido mas és tão doce no rasgar...
Daniela Pereira in Às horas mortas
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