sexta-feira, agosto 21, 2009

Digo-te depois...


20 de Agosto de 2009- 0 : 59m




Querida folha de papel....esta noite sinto-me estranha...pensativa. Deve ser ridículo para ti, ouvires-me a dizer isto. Já me conheces bem e sabes que eu em muitas outras noites me isolei aqui contigo ou com outra igual a ti a dizer o que sentia.
Tornou-se um vício difícil de superar...mas podes estar descansada que pelo menos eu não fumo.
Hoje foi um dia complicado..tive que amarrar algumas palavras na boca, mas algumas conseguiram escapar e fizeram o seu prejuízo.
Não fiquei triste porque desta vez não senti que tinha cometido algum erro, mas lamento que dizer as coisas...mostrarmos que defendemos aquilo em que acreditamos, consiga por vezes ser a tarefa mais complicada do mundo. Porque arrastamos algumas convicções que não são nossas nessa enxurrada de crer.
Custou-me ter feito parte daquele triângulo de discussões...Tenho a utopia que as palavras podem só dar origem a momentos de compreensão e harmonia. Acho sempre que vão entender claramente aquilo que estou a querer dizer com elas...
Mas cada pessoa pega na palavra que para si quer e deixa muitas delas de lado...alguma coisa..uma nuance...um pedido..uma desculpa fica a falar baixinho a um canto e é provável que passe despercebida.
Sei isso...apercebi-me disso, porque tenho tido a minha colecção de diálogos incompletos...de monólogos acalorados e de silêncios imprevistos.
A única explicação que encontro para todos estes factos comuns é a partilha imperfeita daquilo que queremos expor de nós mesmos quando achamos que o mundo certamente estará aqui para nos ouvir...
Por vezes penso...por vezes...mas quem é que eu quero enganar? Não é..."por vezes"..é sempre!
Eu penso sempre se existirá uma forma mais inteligente de comunicar com o ser humano.. Porque com os animais sentimos que é tudo tão fácil. Que cada gesto é apreciado...absorvido no instante em que ele parte de nós.
Não há tempo se quer para ser formarem as incómodas dúvidas de como será recebido...
Devia ter nascido cão...certamente seria um ser muito mais comedido e sensato!
Este tem sido provavelmente o ano da minha vida em que mais questionei o que me rodeia e tudo o que entrou ou saiu de mim.
Acho que me tornei incrivelmente chata..monótona..tremida e nunca tive tantas dúvidas em posição de assalto cá por dentro.
Percebi que acabo todas as minhas frases com um par bem dado de reticências alternado com os bem ditos pontos de interrogação.
Apesar de tudo, as dúvidas e os medos vão diminuindo a um bom ritmo e só isto me permite estar aqui a desfilar os meus pensamentos com a noção que não ficarão muito tempo só para ti...( tinha razão,não ficaram!)
Há muito tempo que deixei de esconder quem sou... é talvez o meu maior acto de coragem, mesmo que ele seja também a razão para muitas das minhas entorses e derrapagens.
Talvez tenha mesmo que ter cuidado com os vazios que vou encontrando nos meus degraus..preciso de aprender a não achar que eles me vão sugar todos os passos que ainda quero dar.
Olhar para eles como se eles fossem balões que ainda estão por encher. Esvaziei-me...amanhã arranjo uma forma ( imaginação é algo que não me falta) de me voltar a encher em vez de lamentar o espaço em branco que em mim ficou.
Tenho-me concentrado a reunir todos os defeitos e obstáculos que sei que vão surgir sempre que der um passo em falso.
Se eu fosse uma pessoa excessivamente organizada, diria que estaria a esboçar uma lista com os meus erros e todas as emoções que eles despertam em mim...
Mas não...vou apenas recolhendo pedaços aqui e ali daquilo que sinto a olho nu...
Acolho bastante a dor...
Espremo algumas lágrimas...
Maltrato alguns dos meus sorrisos..
Conheço novas entradas para o medo..
Retiro-me e depois atiro-me de cabeça nas compostas dúvidas...
Finalmente tento arrancar explicações...

Uns dias acordo cheia de ganas e esperança... noutros dias simplesmente apetece-me nem acordar.
Sabes, apesar de estar a falar com uma folha de papel, sinto que o estou a fazer com toda a clareza..mostrando o rio de pensamentos que me sobressaltou esta noite. Parece-me ser uma atitude de uma pessoa normal..de uma pessoa que talvez ultrapasse um pouco em alguns momentos a necessidade que as pessoas sentem de parecerem turvas naquilo que lhes corre no pensamento.
Eu acho que preciso de me sentir límpida em todas as minhas águas para me sentir pronta para regressar ao meu flutuar diário.
Isto fará de mim alguém que perdeu o juízo ou uma pessoa que simplesmente está farta de engolir tanta sujidade?
Digo-te depois...


Daniela Pereira in "O Diário de um coração aflito sem colesterol"
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3 comentários:

Anónimo disse...

Passam-se anos e não escrevo nada. Por vezes quero dizer tudo de uma só vez, exageradamente, compulsivamente. Tenho um defeito grave que quase sempre me prejudica: sou viciado nas palavras e na poesia!

Anónimo disse...

Gostei bastante. Foi dos textos que gostei mais; talvez por ter sido para mim mais perceptível o seu significado, mas também pelas coisas de que fala. Bjs

Luís Miguel disse...

quero partilhar silêncios contigo

...

e palavras escritas

e...