domingo, janeiro 23, 2022

Carta à tua ausência

Hoje fazias anos... Mas não estás mais aqui para soprares as velas. Sinto saudades... Como sinto saudades de todos os pássaros que vejo partir dos meus ramos no inverno. Podia levar-te uma flor e deposita-la em silêncio, naquela pedra de mármore, onde hoje moras. Podia calar-me e sentir dentro de mim toda a dor da tua ausência. Podia.. Mas escrever para ti, deixa-me mais leve. Hoje olhei para a tua agenda.. Podes não acreditar, mas guardamos a tua agenda. Aquela maior, onde escrevias aquilo que não podias esquecer. Lembro-me de brincar contigo, de te dizer que não precisavas de apontar tudo até ao último pormenor. Depois com o tempo, a tua agenda foi tendo menos linhas preenchidas. Até que passaram a ser meras palavras, algumas palavras escrevias já tremidas e rasuradas. Hoje fazias anos, e na véspera deste dia, já terias tudo bem organizado, com as tarefas riscadas na tua agenda. Sinto falta dessa tua mente inteligente e perspicaz a guiar os meus dias. Sou tão dispersa nos meus pensamentos, que às vezes tenho medo de me esquecer, do que é realmente importante. Então, também tenho uma agenda, onde escrevo tudo o que sei que não me posso esquecer. Que ironia, afinal ainda consigo escrever mais palavras, para dizer o que quero dizer ou fazer, do que tu dirias ou farias. O teu dia, hoje vai ser um dia como todos os outros, que já não festejamos. Vamos pensar em ti, mas nós pensamos em ti todos os dias. Por isso, não vai ser um dia diferente. Acho que vou fazer um bolo, só porque me apetece ter na mesa, algo mais bonito e doce. Acredito que estejas num sítio bonito, onde já não sintas dor. Num espaço de luz infinita, onde o eco da tua voz, se prolonga na vastidão. Pelo menos, quero acreditar na existência de um infinito qualquer, onde hoje tu pertences. Mas sabes, que também acredito na ciência e na decomposição dos corpos. Resta-me a incerteza, da mutação de um corpo numa alma. Essa incerteza, alimenta-me da fome de dor e de revolta que eu possa ter em mim. Pensar em ti, preenche-me, ao mesmo tempo, que me envergonha, por não conseguir ser, nem metade do ser que tu foste em vida. Pensar em ti dói tanto, que até me ensina. Continuas a ser um professor de vida para mim. Nem sempre aprendo, sou teimosa... Sou terrivelmente teimosa, quero sempre encontrar uma solução para tudo. E tu dirias, que me deixo envolver em tudo o que não interessa para nada... Que pensar nisto ou naquilo, não me sustenta... Não me coloca dinheiro nos bolsos.. Não me irá garantir o futuro. E eu ainda ouço os teus conselhos dentro de mim, ficaram cá na minha cabeça, a martelar com força . Da mesma forma, como ecoam os meus sonhos e devaneios. Prometi que ia escrever sobre ti sem chorar.. E eu faço demasiadas promessas, que depois não cumpro. Mas hoje queria partilhar com o mundo, este amor que ainda sinto por ti e não queria estar sozinha, quando o fizesse. Não queria ter medo de mostrar que dói perder alguém, mas que essa dor não destrói o nosso coração para sempre. Não queria sentir, que mostrar que somos humanos pode ser um sinal de fraqueza ou de anormalidade. Hoje recordo-te e hoje sopro com liberdade as minhas velas, com a boca e as palavras no mesmo barco. Um dia estaremos a navegar juntos o mesmo mar. Parabéns pai.

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