sexta-feira, março 27, 2009

Suicídio imprevisto



Eterna sangria...

Mato o meu amor por ti e fico a olhar para o peito que ainda sangra..lentamente quero esquecer o que os olhos já viram. Talvez se eu fosse uma vez mais cega não me visses rodar os lençóis na cama à procura do teu cheiro no branco.
Tenho que matar o meu amor por ti..ouvir os teus gritos..comer e calar.Fiz um punhal aguçado das palavras que me deixaste nas insónias e é com ele que te mato. Perfuro as memórias vezes sem conta, para ter a certeza que amanhã não haverá restos do teu riso nem pegadas do teu corpo pesado em cima do meu.O anjo perdeu a humanidade e converteu-se numa fera sem perdão...Tiro-te os olhos se voltas a olhar para mim! Mas tu também já não olhas...não me viste chorar nem suplicar ao teu Deus que fosse brando com a minha dor. As lágrimas confesso que durante algum tempo tinham travo a mel...era a saudade a refrescar a loucura..ainda meiga e doce. Hoje as lágrimas não têm sabor, não me sabem a nada e apenas me molham o rosto piedosas. Sinto-te..mato já o meu sentir se me trair a voz e me libertar os dedos...não te quero sentir..dás-me arrepios na alma e ela já tem tanto frio.
Mato o meu amor por ti...e eu não sei matar..
Sei fazer florir rosas nos desertos e erguer escadas para te ver chegar mais longe nos teus sonhos...porque me cortas hoje as pétalas e me esmagas as pernas?Quero caminhar nas brisas mornas das tuas costas...
Mato o meu sonho onde a tinta rosa pingava da tua boca...estranhamente aprendeste a fórmula dos pesadelos e na escuridão me injectas sombras e monstros de fumo negro...
Era tão fácil se tivesses sido apenas um sonho ruim...assim esquecer-te seria uma morte natural e não um suicídio

Daniela Pereira
Direitos Reservados

terça-feira, março 24, 2009

..................................................

POSSO GRITAR AO MUNDO INTEIRO QUE JÁ NÃO TE ENTENDO E QUE ISSO FAZ-ME SOFRER?
PRECISO DE VOLTAR A ACREDITAR EM TI...

O ódio odeia-me mais do que tu...




Posso odiar o teu ódio ou estou a ser repetitiva na expressão do meu pensar?
Posso ordenar ao passado que se faça uma pintura invisível ou será que vou quere-lo para sempre pintado de muitas cores?
Hoje lembro-me dos tons rubros e das chamas mal apagadas que ficaram acorrentadas ao teu leito...é vermelha a cor. Estupidamente original recordar-te assim... como uma papoila que fugiu apressada do vento.
Podias ser rosa também....mas as rosas dão-se aos amantes e não aos inimigos sem rosto.A não ser que tu queiras que eu te encha a memória com espinhos... perfurante já é mesmo a dor,para quê fingir que ela não é imutável se ela não se cansa de mudar a pele sem se deformar? Ao menos digo-te que ela pode mudar de rosto...de hora ou de pressentimentos que eu ainda sei senti-la a regressar.
Queres que te odeie? Vais ter que esperar..ainda estou ocupada a recordar como te amei...

Daniela Pereira in O ódio odeia-me mais do que tu...
Direitos Reservados

domingo, março 22, 2009

Poesia Declamada

Carta escrita na areia molhada





Hoje queria vomitar o tempo



Carta a um mundo filho da mãe





Poesia declamada por Daniela Pereira,com poemas extraídos do livro Afectos Obsessivos

sexta-feira, março 20, 2009

O Homem que não usava a cabeça para pensar...




Era uma vez um Homem que não usava a cabeça para pensar... Sabia que a tinha, logo ali acima dos ombros mas não sabia para que é que ela servia. Achava a cabeça, um pedaço de si perfeitamente irritante e pesado. Por isso só a usava quando precisava de contrariar alguém porque sabia que abanando-a com força demonstrava o seu repúdio com um valente Não. Ou então abanava-a mais devagarinho de baixo para cima e dizia que sim as coisas que lhe apetecia ter.
Este Homem, era um Homem como todos os Homens e tinha um corpo igual a todos os corpos ...no entanto achava que era mais perfeito que todos os outros. Costumava mesmo dizer que o mundo a sua volta era desinteressante e que geralmente só olhava para ele porque podia encontrar algo que lhe pudesse servir. De resto o mundo era perfeitamente dispensável e vazio...só servia mesmo para fazer de cenário as suas fantasias.
O Homem que não usava a cabeça para pensar olhava sempre com algum desdém para as pessoas que andavam sempre com os braços abertos preparadas para abraçar. Aquilo metia-lhe uma certa confusão...dar abraços por dar...sem estar à espera de receber algo em troca? É absurdo de mais..os braços são bons é para apertar nas paixões e para agarrar com força um bom prato. O que ele gostava de um bom prato cheio de comida ..mas não uma comida qualquer. Refeições normais, daquelas refeições que alimentam e são saudáveis eram um desperdício...ele gostava era de bolos.
Sim..de bolos e quanto mais doces melhores. Se ele pudesse usava as mãos para pegar em todos os bolos do mundo e metê-los dentro da... barriga. Isso sim, era usar as mãos com inteligência.
Agora usas as mãos para firmar um perdão..para agarrar alguém que estivesse a cair sem salvação..isso seria infantil. Cada um sabe de si e quem não quer males não se mete neles...esta lição aprendeu-a ele com o tempo e só ela lhe interessava quando tinha que colocar as mãos atrás das costas fingindo nem olhar para as desgraças dos outros.
Este Homem achava que não precisava de pensar, porque já tinha nascido um génio e nada mais tinha a absorver para dentro de si... por isso a cabeça era quase só um enfeite. Podia usar um relógio novo e caro ou então um lenço no pescoço de cores berrantes..mas não porque isso seria ser demasiado banal e ele detestava banalidades e ser igual aos outros..aqueles seres hipócritas que caminhavam por ironia à frente dele na rua. Então este Homem usava como enfeite nada mais nada menos do que a sua cabeça. É verdade que ele a estimava bem..penteava-lhe os cabelos, colocava água de colónia no rosto. Queria sempre que ela saísse bem arranjada à rua..já que tinha que a suportar no corpo ao menos que tivesse um bom aspecto. Até porque junto com a cabeça vinha um rosto que tinha uma boca cheia de dentes e sempre que ele abria aquela boca e os dentes vinham espreitar cá para fora as pessoas olhavam com mais facilidade para ele e isso de alguma forma devia ser considerado vantajoso.
Um dia o Homem que não usava a cabeça para pensar decidiu ir dar um passeio até a beira mar. Mas como detestava caminhar sozinho, lembrou-se de convidar a Mulher que não usava as pernas para andar para ir com ele. Na verdade ele queria mesmo era a companhia da Mulher que só usava a boca para beijar, mas ela essa tarde estava muito ocupada a beijar outro Homem qualquer.
Então o Homem que não usava a cabeça para pensar foi buscar a casa a Mulher que não usava as pernas para andar..
Como a Mulher não sabia que as pernas serviam para andar tinha o vicio de se deslocar sempre ao colo dos outros e era assim que ia para onde queria...Por isso o nosso Homem lá teve que pegar nela ao colo e lá foram os dois caminhando..perdão, os dois não...porque apenas ele caminhava arrastando o peso dela. Ele lá treinava o seu poder de conversação falando-lhe da beleza dos pássaros quando a brisa lhes tocava...do brilho que ela tinha no cabelo e da emotividade do seu olhar, sempre com os dentes de fora a endireitar sorrisos. Só que a Mulher que não sabia que as pernas serviam para andar, passava a conversa toda a tentar enrolar as pernas nele e a apertar-lhe o pescoço com medo de cair de alguma altura mais alta.
Que Mulher aborrecida e chata dizia-lhe o instinto, mas a verdade é que tinha umas pernas magnificas dizia-lhe o olhar e geralmente ele ganhava sempre o duelo. É um sacrifício que ainda vai valer a pena decidia o Homem que não usava a cabeça para pensar...não precisava de reflectir sobre a questão porque era mais do que óbvia a resposta. E lá iam eles pela areia com o Homem quase a perder o fôlego de carregar nos braços aquelas pernas pesadas mas compridas.
Finalmente o Homem que não usava a cabeça para pensar e a Mulher que não sabia que as pernas serviam para andar, chegaram a um lado qualquer e o Homem pensou que iria colher o fruto do seu árduo trabalho. Mas qual não foi o seu espanto, quando a Mulher que não sabia que pernas serviam para andar queixou-se do calor e disse que queria ir tomar um banho naquela água imensa que parecia tão fresquinha . O Homem fez-lhe a vontade e preparava-se para pousar a Mulher na areia quando ela de repente começou a resmungar e a dizer-lhe se ele estava louco por querer colocar as suas pernas na posição vertical..posição essa que as pernas dela não conheciam de tanto estarem habituadas a posição deitada. A Mulher não esteve com meias medidas e exigiu que o Homem a levasse ao colo até ao mar para proteger as pernas dela das ondas...ele teria que afastar todas as ondas para ela não ficar com as pernas molhadas mas só com elas refrescadas pela aragem. Que grande chatice para o Homem que não usava a cabeça para pensar, mas como não era Homem de fugir a desafios principalmente quando as recompensas eram altas e esguias, ele avançou com a Mulher ao colo cheio de instinto e de orgulho na sua força.
Inicialmente aquela caminhada pelas águas com a Mulher agarrada a si como uma lapa e aos gritinhos pareceu-lhe fácil de ultrapassar e deliciosamente uma peripécia aventureira.
O pior foi quando o mar se enfureceu com a presença daqueles dois intrusos estranhos agarrados um ao outro como se fossem polvos e decidiu enxutá-los dali com vagas alteradas.
O Homem que não usava a cabeça para pensar começou a sentir dificuldades em se manter erecto com tantas ondas a chicotearem-lhe o corpo e aquela Mulher alta e esguia de repente começou a pesar toneladas e já tinha mais aspecto de baleia do que de sardinha fina.
Mas não a ia largar...se havia coisa que o Homem que não usava a cabeça para pensar sabia ser...era ser teimoso e como rei da teimosia lá continuava com a Mulher colada a si a apertar-lhe cada vez com mais força e desejo as carnes do seu pescoço. Era verdade que ele até já estava a sentir alguma falta de ar, mas em pleno acto todos sentimos alguma asfixia temporária,logo aquela sensação de estar a sufocar era perfeitamente natural para ele e não lhe causava nenhum transtorno.
O mar sentindo a teimosia daquelas pobres criaturas, foi-se tornando mais arrogante e com vontade de lhes fazer frente e resmungou com muito mais força. Com tanta força mas com tanta força que o Homem e a Mulher já andavam aos rebolões no meio das ondas mas sem nunca se largarem, parecia mesmo que as mãos dela se tinham fundido ao pescoço e os braços dele já pareciam prolongamentos exaustivos do rabo dela de tanto a apertar por entre os dedos. Noutra situação aquela sensação “apalpativa” seria até bem vinda, mas numa situação de morte iminente era mais considerada pelo Homem uma sensação aborrecida...Que estranho ele sentir algo assim...
mas as pernas dela..as pernas dela eram hipnóticas e o Homem não conseguia deixar de olhar para elas. Bem, era verdade que estava prestes a afogar-se e a levar aquelas pernas tão fantásticas direitinhas para o cemitério dos Prazeres mas ao menos iria morrer sorrindo. Isso servia-lhe de consolo enquanto a sua vida se extinguia lentamente...
Se ao menos o Homem que não usava a cabeça para pensar tivesse pensado noutra coisa para além de uma belas pernas saberia que o ar faz falta para respirar...


Daniela Pereira in Contos sem pés nem cabeça..
Direitos Reservados

domingo, março 15, 2009

Poema de Domingo à tarde...





Não tenho os dedos sujos de tinta esta tarde...
Só exibo restos de gotas de vinho tinto e de corações enlameados.
As letras foram à rua por instantes...
Pobre poeta que queimou ao sol toda a sua escuridão...
Silenciou a lua só por um dia...dizem os amantes.
Mas todos dizem qualquer coisa quando mais nada têm para dizer...


Daniela Pereira in Em todas as palavras nada te direi...
Foto por Daniela Pereira
Direitos reservados

quarta-feira, março 11, 2009

Limonada primaveril



Vamos colher doces frutos com polpa ácida e dizer que o ouro escorre pelas nossas bocas?
Em amarelo pinto os sonhos e as aventuras que abraço...tenho raízes mais fortes nas pontas dos dedos ...

E os limões nas minhas mãos também dançam ao sol...

Daniela Pereira

domingo, março 08, 2009

Mulher




..E sou Mulher..

nos sonhos e nas lembranças...

na pele despida

e na carne tragada...

nos olhos mal chorados

e na escuridão adormecida...

E sou Mulher...

no Amor perturbador e desgraçado

Hoje pela Dor enamorada...

porque sou alma viva ...

E sou Mulher..

nos sonhos e nas lembranças...

nos beijos e esperanças..

sou ave sem destino ..

Curva a 180º numa estrada deformada...

Ângulo recto destemido

que não se perde em promessas obtusas

Porque só com linhas infinitas alguém a cruza...



Daniela Pereira in A Mulher é um mundo maior...
Direitos Reservados
Foto em blueiela galery in http://olhares.aeiou.pt/curva_a_180o_foto2601975.html

quarta-feira, março 04, 2009

Revista literária- Alterwords





Olá a todos



É com muito prazer que informo que já se encontra disponínel o site da nova revista literária on line, a "Alterwords"...

A "Alterwords" é um projecto que visa dar a voz a todos os que amam as palavras..anónimos e não anónimos...vindos da luz ou da escuridão...

Os autores residentes desta revista são:

Bruno Pereira

Carla Ribeiro

Daniela Pereira

Liliana Duarte

Liliana Lopes

Miguel Pereira

Susana Carvalho Machado

Susana Catalão

Nesta revista as palavras são livres e sem margens a limitar a inspiração...podem saborear contos, poesia, prosa,curiosidades literárias,arte e cinema..porque a cultura não é um vício letal..vamos drogar o mundo com palavras e pensamentos
http://alterwords.webs.com ---Site para download da Alterwords-1º e 2º volume

Daniela Pereira

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

O primeiro olhar..um ultimo amor-IV parte




O primeiro Olhar


Ele e Ela...Ela e Ele...


Depois de rostos difusos e palavras sem som, Ele quis ver-lhe os contornos..a cor dos olhos quando o sol os iluminava..Ela quis ver se o sorriso dele era mesmo tão doce como ela imaginava...
Já tinha sonhado com Ele, com palavras animadas a bailar na escuridão..com olhos parados num ponto só cruzando desejos. E Ele? Onde a guardava nos seus sonhos? Seria em abraços de espuma ou em abraços de chumbo com o corpo pesado em cima do dela?Existiria tempo para decorar-lhe os gestos e a altura dos ombros..ou seria tudo tão fugaz que só de suspiros viveriam todas as lembranças?
Ela arriscou conhecer aquela alma que tanto a fascinava pela diferença que dotava na humanidade que nele parecia existir...Tinha doces palavras...ternas preocupações...meigas dores e um vazio que nada parecia conseguir extinguir...metia-lhe pena mas ao mesmo tempo sentia carinho por aquela alma que parecia caminhar sem direcção. Então,Ela abriu-lhe o coração de par em par.. limpou poeiras passadas que por lá ainda andavam...encheu de flores todos os vasos de sangue que jaziam nas mesas...desenhou floreiras para encaixar nas varandas...lavou do chão as lágrimas...rasgou da carne todas as amarguras e acreditou que ia ser feliz fazendo sorrir aquele anjo de asas pendidas.
E Ele veio até Ela, vestindo preto na pele e cuspindo fumo nervoso pela boca com um olhar cabisbaixo surgiu por detrás das sombras e Ela sentiu que as palavras lhe iam fugir na garganta como loucas...que os braços iam ser meigos demais e que o seu sorriso ia ficar muito exposto naquela tarde de chuva adocicada...e assim foi. Ela sorriu..ela abraçou..ela deixou sair todas as palavras que molhou no mel, só porque o queria ver a sorrir.
E eles falaram dos seus feitos..dos seus defeitos também e as mãos procuravam agarrar o que ambos já tinham perdido como se o outro pudesse ter algo melhor do que o seu sonho, se pelo menos sonhassem juntos...todos os sonhos seriam possíveis.
E os dedos dela sentiam-se macios enrolados nos dedos dele...e o corpo dela sentia-se protegido amparado na sombra dele...e os olhos dela esqueceram a chuva que neles ontem caía e viram o sol a aquecer-lhe a testa e o coração dela sabia que os seus corações antes de anoitecer iam conhecer-se num mesmo beijo...


Era tarde...mas não tão tarde
para a lua acordar por entre as nuvens
Era cedo..mas não tão cedo
para dois estranhos não se abraçarem
numa tarde de chuva...
E o medo?
Onde ficou o medo de sofrer outra vez?
E a razão?
Onde esconderam a razão...?
Talvez debaixo do vestido
no meio do veludo tremido...
ou no bolso da camisa
encostada ao corpo humedecido...
Era cedo..
era cedo para alma se despir...
mas despiu-se e a nu deixou todos os beijos
que por respeito a dor passada
do mundo Ela escondia...

Daniela Pereira in Poeticamente falando de corpos para prosear a alma
Direitos Reservados

sábado, fevereiro 21, 2009

Infinita....fusão



Já nada me separa do frio das pedras e da negritude das sombras....
No meu corpo já se fundem as dores e o musgo dos meus passos...

Daniela Pereira
D.R

Foto por Daniela Pereira in www.olhares.com/blueiela

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Rostos



Rostos



Ele e Ela..Ela e Ele...


Buscavam nas sombras descobrir os seus traços...

Ele pediu para ver se o rosto dela hoje brilhava como em todos os retratos e se os seus olhos ainda sonhavam...

Ela achou que ele ia achar que ela não estava bela..que a simplicidade do seu sorriso ia deixá-lo desiludido..apeteceu-lhe dizer que não. Que hoje tinha a pele sem cor...que a luz do candeeiro a deixava coberta de manchas e tons incandescentes...mas em vez disso passou as mãos pelos cabelos e compôs o sorriso com medo de ele lhe falhar a qualquer momento...

E Ele viu-a sorrindo...e disse que ela tinha uns olhos bonitos..cheios de alma no olhar. Que ela era bela... que o coração dele ia saltar do peito..que sentia um impulso de correr até encontrar o seu rosto esperando por ele...

E ela sorriu com um sorriso corado e pintado com girassóis amarelos e tulipas vermelhas...

Ele perguntou-lhe se ela queria conhecer o rosto do patinho feio que ele era...Ela sorriu e disse que o achava bonito..que não acreditava que ele era um patinho feio e que o imaginava com contornos de cisne.

E ele surgiu no meio da escuridão com um rosto marcado de cinzentismo mas com um olhar repleto de um brilho que ela não sabia de onde nascia...Ele disse que era feio...que tinha um rosto cansado...olheiras pintadas nos contornos dos olhos ..a boca torta e o nariz era grande.

Todos os defeitos sairam da boca dele como se a quisesse convencer que ele tinha perdido toda a beleza perante a beleza dela...mas todas as perfeições nela ficaram marcadas.

Ela olhou para o rosto dele...e o seu olhar perdeu-se a decorar cada curva..e desenhou-o em metades e em rosto inteiro na sua cabeça para não mais esquecer aquela visão misteriosa que se erguia no nevoeiro.

Ela disse que ele era belo...ele sorriu fingindo corar envergonhado e foi mostrando todos os quadrantes que lhe moldavam a face e toda a escuridão ficou pequena para tanto sol...

E ali ficaram os dois a olhar um para o outro..sem se verem..sem se tocarem mas prisioneiros das palavras e das sombras despidas em cada olhar...



Hoje são apenas flores mortas pelo chão....

o patinho feio tirou as penas macias que faziam dele cisne e a bela continua com os seus olhos de cristal tristemente humedecidos...



Daniela Pereira in "Poeticamente falando de corpos para prosear a alma"
Direitos Reservados

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Poeticamente falando de corpos para prosear a alma





A descoberta



Ela e Ele...Ele e Ela...


Ela quis conhecer o mundo dele e ele envergonhado foi-lhe dizendo que era apenas vapor no toque.

Falou-lhe de sonhos que gostava de construir com as suas mãos e de almas perfeitas que aprisionava apenas com o olhar. Ela achou fascinante o modo humilde como ele lhe abria a porta do seu mundo e quis saber mais...

E ele então falou-lhe do gosto que sentia quando lia os sentimentos que ela bordava a fogo no papel. Que se reconhecia em tantos deles, que já tinha sentido aquele sabor que ela dava ao beijo...que já tinha visto em alguma esquina a mesma lágrima que ela fizera cair delicadamente no seu rosto .Que era apaixonante como os seus dedos despiam facilmente os corações e confessava que também ele tinha vontade de no coração dela entrar.

E ela estranhamente tão dotada nas palavras, via nascer cordas na garganta que lhe amarravam as palavras atrás das costas e onde um rio geralmente fluía restavam apenas algumas gotas que jorravam de mansinho.

Então ele sorriu inspirado e colou asas nos corpos e estendeu ideias luminosas com a mão e mostrou a ela como era encantado o mundo que moldava com a sua mente criativamente esfomeada.

E as palavras correram perante os olhos dela criando cenários tão belos de tão simples que eram...

Ele contou-lhe segredos...desejos escondidos no fundo da alma..casas brancas erguidas por entre azuis celestes e as ondas de mares temperados. Terras quentes, onde até a chuva era dourada porque sol nunca partia no seu horizonte. Jardins de mil cores semeados em varandas e baloiços no jardim para conchegar tanta vontade de voar.

Ela confessou-lhe que tinha medo do mar..que um dia o mar a quis levar para longe e ela não queria ainda partir. No entanto lembrou-se que nem o medo a impedia de amar olhar o mar e de escrever na areia muitos dos seus segredos...Ele sorriu e disse-lhe que o mar o fazia sentir mais leve naquele seu corpo de gigante e que quando entrava para o explorar todos os seus pensamentos ganhavam vida...disse-lhe que um dia a queria levar para dentro do mar...Iriam de mãos dadas e ela iria sentir-se segura porque ele jurou que nunca a iria largar..e ela sorriu confiante.

E enquanto bailavam naquela dança de palavras e de mundos a descobrir, a chuva caía lá fora e o frio era tanto que fazia chorar os vidros das janelas,mas por um motivo qualquer naquela noite havia calor para dar.



Existem mundos encantados

a surgir na palma de uma só mão..

existem mãos abertas que os querem sentir...

Olhos que cativam palavras

e dedos que fascinam as curvas perdidas no tempo...

E o tempo ali não passa...

e os retratos são feitos de cera

e os corações são todos marmoreados ..

Os sonhos são de areia...

ternamente temperados

colhem conchas nos ouvidos

e o mar mete medo

mas existem gigantes sempre prontos para a frágil donzela salvar...

Existem mundos enfeitiçados

com a magia de uma varinha de condão...

existem fadas de olhar doce e abraços amendoados

anjos com asas coladas

e lâmpadas infinitas iluminando toda a escuridão...

Torres de carne que rompem excitadas das ondas do mar

em busca de uma paixão

e com os olhos brilhando sonham

com amores entranhados na pele

que lhes matem a fome

de uma estranha solidão...

Daniela Pereira in Poeticamente falando de corpos para prosear a alma

Direitos Reservados

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Poeticamente falando de corpos para prosear a alma




"A aproximação"....


Ele e Ela..Ela e Ele..

Ele sorriu para ela e ela sorriu para ele e como duas crianças sorriram os dois.Ele deu-lhe palavrinhas doces e desenhou-lhe flores no papel,dizendo que o coração dele batia mais alto.

E Ele chorou dizendo a Ela que o mundo só lhe queria fazer mal..que todas as almas que encontrou lhe pareciam vazias e que estava cansado de falhar...

Ela achou tão bonito que todos os gestos dele lhe pareciam especiais..e lá ficaram eles de mãos dadas mesmo com elas separadas por duas telas envidraçadas trocando sorrisos envergonhados à espera que um milagre molecular acontecesse...

E Ela achou que era bom voltar a ser criança,para acreditar em histórias de encantar e em promessas feitas com a cabeça encostada nos ombros e os olhos a brilhar.

E Ele prometeu que ela ia sonhar e ele ia pintar-lhe o retrato com a tinta negra que lhe escorria dos olhos..fez-lhe festas nos cabelos e enrolou-se no corpo dela como se ela fosse uma onda que o iria tragar...e Ela abraçou-o despida de preconceitos e plena de sentimentos jurou que o ia amar...e amou..

Doces são as palavras...

e doces foram as verdades não contadas

para a magia não fugir...

Belos foram os dias percorridos de mãos dadas

e com sorrisos acabados de tingir...

Belas foram as noites e as madrugadas

com o peito inocentemente a sorrir..

Doces são as palavras..

e doces são os malmequeres que desfolhamos a preceito

saltando pétalas só para ouvir "que bem que me queres"

da flor mais querida que apertamos com carinho nos dedos...

E as doces palavras sobem-nos à cabeça como nos sobe o espumante para nos apagar as memórias e as tristezas...

E o mundo mais uma vez é lindo..e tem estrelas que nunca mais acabam traçadas nas caudas dos cometas...e o mar imponente deixa de meter medo e inspira-nos a mergulhar...e os pudores deixam de existir e o nosso corpo já se despe rotineiramente até ao topo da alma..e até o pó nos cheira a rosas e as pedras da calçada posso jurar que cheiram a jasmim...

Vamos falar de amor nas próximas linhas?...

Não..vamos falar de corpos e de sedes avultadas ..

Daniela Pereira in Poeticamente falando de corpos para prosear a alma

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Já não me reconheço nas sombras e nos reflexos...




Queria gritar mais alto que o som...
queria dizer-te que nas minhas veias corre uma dor rubra que é ácida quando me jorra da boca...
E eu grito...e eu grito todas as dores...todas as lágrimas..todas as perguntas que ficaram sem resposta mas o teu eco silencia-me...não o ouço...não vejo a tua voz a cruzar com as andorinhas e eu morro mais um pouco...
Puxo-me para um buraco onde possa fugir da pressão exercida no peito por não te sentir..por não te cheirar os passos nem engolir as curvas do pescoço.
Asfixio o ar que devia respirar com orgulho..danifico os sorrisos com os maxilares cerrados com força...crio rugas na pele e dispo-me de perfumes.Ainda semeio o meu jardim com lágrimas de carne que adubam a terra onde teimosamente nasces e continuas a ser o cravo mais bonito no meu jardim ...
E eu...a mesma pétala perdida de sempre tentando agarrar a esperança no verde das tuas folhas...

Daniela Pereira
Direitos Reservados

segunda-feira, janeiro 26, 2009





Se eu não faço falta ao mundo...leva-me daqui meu Deus!

Se o mundo está cheio de seres surdos e mudos e os meus gritos de dor já não são ouvidos e são descartados como se nada fossem..deixa-me morrer!

Se o amor que sinto dentro de mim não serve se quer para construir elos e carinhos,deixa-me seca a apodrecer a um canto..

Se sirvo para ser flor apenas nas noites mais desertas não me deixes mais despir a alma e segura-me o corpo debaixo de sete palmos de terra...

Se não consigo dizer o que sinto com as palavras...se elas não chegam a quem deviam chegar...esmaga-me os dedos para eles se calarem e deixarem de escrever o meu coração em folhas que nunca deixarão de ser vazios sem calor para dar...

Deixa-me morrer! Se me queres ver a mingar todos os dias porque o corpo doente e fraco não me deixa resistir nem me dá forças para lutar..então baixa-me os braços e leva-me a desistir. Não me faças mais enfrentar esta dor de frente porque ela já é mais forte do que eu..e eu já não a sei combater com as minhas armas.

Leva-me daqui Deus..dá-me um pedaço de alguma coisa que seja só para mim...que eu não tenha mais como perder.

Faz-.me eterna nos gestos..enterra-me bem lá no fundo e esquece-me..

Daniela Pereira

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Leva-me os pedaços e as brisas dos cabelos




Rasgo-me...


Já me cansei de me dar inteira


as brisas que por mim passam...


Corto-me...


Começo pelos pensamentos que trago enrolados na cabeça...

corto-os bem fininhos...

pequena tiras de aço cromado

que nada consegue derrubar...

Desço até ao pescoço

com a faca bem afiada

já suja de sangue..

marco-te com cruzes e corações à beira mar

Recordo-te e paro a olhar para o sinal...

parece que ainda vejo as estrelas a sorrir

e o teu cheiro a espiar-me por debaixo dos meus cabelos...

Afinal foi só ilusão...

Rasgo-me...rasgo-te..rasgo-o a ele e a ela e a todos os outros que não vejo...

Rasgo o vestido e a beleza que me cobria o corpo

com panos pintados de branco

e flores costuradas em rendas transparentes...

Cheira-me a velhas promessas

e a desculpas esfarrapadas espumando no fundo da linha..

Amanhã seria especial...

mas já não há amanhã nas nossas vidas..

Lembro-me da chuva a cair e eu de lhe ter adorado o gosto..

Logo eu que odeio chuva a molhar-me o rosto!

Mas um dia a chuva soube-me a mel na boca

e eu gostei de a ver chorar só para mim

gotas doces e olhares amanteigados...


Corto-me...


Leva lá o meu pedaço..

tu que coleccionas memórias

como se fossem ternos troféus..



Rasgo-me...


Já me cansei de me dar inteira


as brisas que por mim passam...


Daniela Pereira

Direitos Reservados


terça-feira, janeiro 13, 2009

(Des)igualdades informais...





Somos iguais nos nossos corpos mas tão diferentes nos nossos gestos...
Tu és a chama que me afoga...
Eu sou a lágrima que te queima...
Apagas-me o sal desta boca..já amanhã?

Daniela Pereira

quarta-feira, janeiro 07, 2009

As leituras do Corvo




Olá aos amigos do Devaneios...hoje quero deixar aqui as palavras de uma amiga e de uma poetisa talentosa e única no seu recheio de alma e nas cores com que pinta o cinzentismo das suas palavras.
Carla Ribeiro,fez com muita simpatia a critica ao meu livro Afectos Obsessivos que hoje partilho com vocês. A ela deixo o meu orgulho e dedicação ao seu trabalho sempre elaborado com corpo e alma e agradeço o carinho e a força com que sempre acompanhou e acalentou o mundo poético...

No blog "As leituras do Corvo" -

Que melhor livro para inaugurar este novo espaço que a segunda obra da minha amiga poetisa Daniela Pereira!
Nestas páginas de palavras derramadas dos confins do coração, encontram-se todos os sentimentos, fundidos e trabalhados na magia às vezes crua, às vezes temperadíssima de uma pena que quase sangra na beleza de uma poesia que canta a alma.
Ao longo dos escritos da Daniela, fui encontrando sentimentos com que me identificar, palavras que poderiam definir muitos de nós nas experiências que vivemos e nos caminhos e obstáculos que encontramos em cada dia.
É esse o verdadeiro encanto da poesia que preenche este livro. Num mundo onde, tantas vezes, a racionalidade e a indiferença nos obrigam a esconder os sentimentos sobre uma rígida armadura de silêncio e de ferrugem, a voz da Daniela é um hino à emoção e ao sonho que nos habitam.
Todas as pessoas que pensam que o sentimento está ultrapassado deviam ler este livro. E todos que procuram emoção escrita com qualidade e, acima de tudo, com alma, não podem deixar passar a mágica excelência que transborda da voz desta poetisa que canta, com o coração em fogo, os afectos que nos atravessam os dias e a melancolia que nos embala as noites.
Os meus parabéns, Daniela, por mais este livro mágico. Que a tua voz nunca perca a intensidade e a verdade que tens!

Carla Ribeiro in Leituras do Corvo
http://asleiturasdocorvo.blogspot.com/

quinta-feira, janeiro 01, 2009

A imperfeição do verbo amar...




O Amor que eu desejo...

Não desejo um amor simples e estupidamente banal...com datas marcadas para as lágrimas e horas definidas para poder por ele sorrir...

Não desejo aquele Amor que não nos aquece o peito e muito menos nos tira o fôlego ou nos mata com saudades...

Quero aquele amor que não se explica...que não se lê nos livros mas lembra todas as histórias que o romantismo gravava em tempos nas árvores de um jardim com pedras afiadas e corações vermelhos servindo de molduras desajeitadas...

Aquele amor que nos obriga a romper as roupas e a engolir flores por entre os beijos , porque tudo está a mais para além dos nossos corpos..

Aquele amor que ao primeiro toque abre logo uma porta no coração e nos acende uma fogueira que nos queima todo e qualquer frio sentido nos invernos e sentimos que o verão chegou para ficar abraçado para sempre na nossa pele...

Não quero um amor que não entenda porque morro quando não o sinto presente e porque sinto vontade de gritar e de quebrar todos os vidros da janela para acordar todas as lembranças adormecidas...

Não quero um amor que se esqueça do aroma dos meus perfumes e da cor da minha alma..quero mais..quero um amor que invente comigo sombras nas paredes..que invente melodias desafinadas só porque sente vontade de chilrear e os pássaros estão longe de mais para lhe roubarmos os bicos...

Não quero um amor que não me ame por aquilo que eu sou..que não admire as minhas tempestades e olhe para mim com orgulho sempre que saio ilesa de cada uma.. que não sinta vontade de me apertar junto ao peito só para me ver serenar imersa em todas as ondas onde decido mergulhar...

Quero um amor que me faça chorar...que me faça acordar a meio da noite para escrever poesia..para encontrar desesperadamente a palavra que defina o que estou a sentir e que todas as folhas rasgadas sejam sinal que de falhei ao tentar dizê-lo ...

Não quero um amor moldado em silêncios e tempos sem abraçar...não quero um amor prisioneiro, mas também não quero um amor que voe de flor em flor só porque as minhas asas numa noite qualquer não lhe rasaram a cama...

Quero um amor que me deixe dar aquilo que tenho e aquilo que não tenho mas que vou imaginar.. quero um amor que durma comigo nos meus sonhos mesmo quando não está do meu lado...quero um amor sem medo de se doar...sem desculpas para não chegar...sem razões para partir...

Não quero um amor fraco , tecido com linhas finas e ligado por nós infernais que ninguém se preocupa em querer desatar..

Quero um amor atencioso...que corra para o meu coração ao primeiro sinal de cansaço na sua batida..quero um amor que desespere ao ver-me sofrer..que perca a cabeça quando eu o mandar calar...que salte um muro para roubar todas as rosas que encontrar num jardim... que encha um cesto com frutas e alimente a minha fome por entre beijos e sucos apressados num chão pintado a preto e branco.

Quero um amor dos poetas..um amor suícida..um amor drogado por uma overdose de emoções...um amor com ódio por amar demais..um amor sereno nas horas e possuído nos minutos..um amor bebido num segundo mas sem nunca perder o gosto a vintage ..quero um amor que nunca me peça para ser esquecido..quero um amor que me soletre "recorda-me" em cada despedida...

Quero um amor que me enlouqueça....que me faça sentir a mais traquina das crianças e o mais ousado dos diabos...

quero um amor que seja a cor dos meus olhos...o meu braço direito e o esquerdo também...quero o amor que me trepe as pernas em todas as viagens e me estenda uma almofada para depois eu descansar das minhas caminhadas..das nossas caminhadas dadas lado a lado...

Quero um amor impossível..um amor perfeito em todas as suas imperfeições..quero um amor amigo e fiel ás minha desilusões..

Quero um amor assim..mas para além de ti já nada mais quis amar...

Daniela Pereira

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