quinta-feira, dezembro 22, 2005

Por cada pedra atirada às palavras...escreverei um poema




Não consegues matar as palavras
que fluem dos meus dedos
com simples pedras
atiradas com raiva
porque mesmo ferindo o pensamento
no meu coração tu não tocas.

Não sabes sujar um rio de sentimentos
que corre na direcção do peito
com palavras poluídas.
Porque se ele nascer
nas profundezas da alma
terá sempre pureza nas suas águas.

Não sou melhor do que ninguém
só porque sinto prazer
ao colher duas palavras
e com ela unidas num ramo
oferecer abraços à pessoa amada.
Sou apenas humana...
E como humana que sou
preciso de uma folha de papel
com ar vagabundo
e olheiras marcadas nas margens
para chorar e rir ao mesmo tempo.
Assim, com apenas um gesto
transformo cada segundo
cravado no ponteiro do meu relógio
num oceano de emoções intemporais
que poucos conhecem bem.

Sou livre nos meus desejos
e sei sonhar sem temer inimigos
que me possam assombrar
porque sei que com a ponta de uma caneta
descrevo a minha vida
com a sinceridade sempre orgulhosamente destapada
E se um dia
sentir que engoli demasiado sal
para conseguir flutuar docemente
num mar de poesia
Então não te preocupes
que dos meus beijos nunca deixarão de brotar poemas.

Daniela Pereira- 22/12/05

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Cicatrizes pausadas




Dispo a alma ao som de uma melodia
e vou espalhando as emoções desordenadas pelos cantos da sala
tentando tornar o corpo mais leve.
Teceram uma teia nos meus pensamentos
e ela é complexa
esculpida com cruzamentos que parecem não ter fim
por onde caminho mais perto do infinito
com passos arrastados.

No olhar pinto uma melancolia rotineira
e fujo da monotonia dos meus dias
viajando à velocidade do som
entalada na corda de uma guitarra estridente.
Vou a meio da canção
mas não a deixo avançar
e prendo-a nos meus dedos
obrigando-a a recuar no tempo.
Pedindo para não acabar
com esta ilusão aconchegante
de sonhar com a cabeça pousada numa nota
vou despindo a alma com gestos suicidas
e acolho mais uma música cicatrizante numa ferida do peito.


Blue 14/12/05

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Um pequeno esclarecimento

Olá a todos :)


Como algumas pessoas disseram-me não conseguirem encontrar o meu livro na Fnac on line e sabendo que ele já está disponível para venda na mesma. Tomei a liberdade de fazer este pequeno esclarecimento...
O livro está listado na pesquisa com o nome de "Cortar as palavras num so golpe" ou seja sem que a palavra "só" apareça acentuada o que levou a que durante a pesquisa no site através do nome normal do livro se obtivesse uma pesquisa nula.
No entanto informo que o livro está disponível e tem o preço Fnac de 13,50 €

Obrigado pela atenção

beijos

blue

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Sem explicação tudo é mais simples



Hoje acordei com o olhar embaciado
e sem ter a felicidade
a dar-me palmadinhas nas costas.
Houve um qualquer ser superior
talvez fosse mesmo um deus
que olhou para mim
e disse-me:
"SÓ SERÁS FELIZ
CHORANDO PALAVRAS
NESSE TEU MAR DE MULHER"
... e eu chorei.

Daniela Pereira 01/12/05

quarta-feira, novembro 30, 2005

Sonhar nos braços de outro




Ontem sonhei contigo
e no meu sonho não chovia
porque havia um sol
que teimava em rasgar todas as nuvens
pintadas no meu peito.
Era lindo aquele sol
que extinto de passados e esquecido do presente
bailava alegremente nos teus olhos.

No meu sonho o frio não entrava
porque fechei-lhe a porta na cara
e acendi uma lareira na minha pele
para manter os nossos corpos aquecidos.
Então senti que o teu coração derretia nas minhas mãos
rendido ao calor dos beijos que não imploras
e eu juro-te que ainda bebi algumas gotas dessa felicidade temporária
que pingava nos meus dedos.

Ontem fiz amor contigo
e não me perdi na banalidade do sexo
porque quando te amo
não te limitas a penetrar no meu corpo
e violas-me incessantemente a alma.
E eu não esbracejo
nem peço por socorro
porque se eu gritar
será sempre para pedir por MAIS...e MAIS.

Ontem dormi com outro
que não tinha o teu sorriso
esculpido no rosto
porque para a tua cama não fui chamada.
Mas nem deitada naqueles malditos lençóis enrugados
lhe entreguei as folhas de poesia
que escreveste na minha alma
e o meu maior momento de prazer
foi sonhar que recitava no teu corpo
até o dia nascer.

Daniela Pereira 27/11/05

domingo, novembro 27, 2005

Apenas ontem e hoje



Hoje vou amar-te num chão de palavras
porque a tua cama é pequena
para albergar o fogo imenso que lavras no meu corpo.
Com as palavras também te amo
sem precisar de abrir a minha boca
e sabes bem que ela não se vai abrir
se do outro lado não tiver o teu beijo à espera.

Hoje vou apaixonar-me pelo silêncio
porque no eco do meu coração amordaçado
também encontras o meu grito
mesmo que este amor teime em roubar a minha voz.
Com três ou quatro linhas enlouquecidas
também te desejo com fervor
e percorro o teu desenho perfeito
suspirando no fim de cada curva
morta por deslizar nessa pele sem travões.

Deixa-me acreditar na palavra eternidade
porque nela poderei um dia abraçar
um amor ainda maior do que o meu
e ele já é enorme
com braços que conseguem abraçar até a lua
mesmo que o céu já tenha perdido as estrelas
de tanto chorar este amor na escuridão.

Hoje e só hoje...
Vou esquecer que te amo
Vou lamber as lágrimas do rosto
e remendar todas as crateras
que na minha alma os dias malditos escavam
E vais ver que amanhã...
Amanhã e só amanhã
vou adoçar de novo o teu coração
enroscada num pote de mel.

Hoje meu amor de chuva
Vou rasgar este poema sem sol
porque as tuas palavras ainda não dormem na minha cama.

Daniela Pereira 27/11/05

terça-feira, novembro 01, 2005

Doença maldita



Vê a noite que rasteja nos meus olhos
e devora-a com a tua boca quente
até que o último pedaço de escuridão
rendido desfaleça na cama.
Deixa ficar o sol colado à porta
porque não precisamos dele
aqui deitados nos lençóis
encadeados pelo brilho dourado do teu cabelo
e deliciosamente aconchegados
pela visão de uma tela colorida que pintamos
quando juntos fundimos os olhares
na ponta do mesmo pincel.

Grita comigo os teus medos
para que fiquem pendurados no tecto
presos nas sombras das nossas almas
e para sempre impedidos de nos tocarem nas costas
com mais um dedo sujo de vergonha.

Apaga todos os nossos pensamentos
com a tua língua de borracha
enrolada na minha boca
e suga todo o fel
que encontrares perdido dentro de mim
sem deixar esquecido nenhum recanto.
Vasculha-me à vontade
e livra-te de fazeres cerimónia
ou de lavares as mãos
antes de as esfregares no meu corpo
porque eu não quero
perder o gosto de sentir o teu cheiro
entranhado na minha pele.

Quero-te assim naturalmente suado
cansado das correrias
e com os joelhos pisados
de tantas quedas no relvado.
Quero ver os restos do sofrimento
estampado no teu rosto
misturado com as gotas de suor
que me darás a beber
num beijo vitorioso.

Não tenhas medo de sofrer novamente
porque eu ensino-te
a curar todas as feridas
e a remendar todos os buracos
que uma paixão involuntária possa abrir no teu peito.
Deixa-me curar-te de todas as doenças
que assolam o teu corpo
injectando o meu amor por ti nessas veias.
Vais ver que não dói nada
porque só em mim poderá doer
se ele não for a tua cura.

Daniela Pereira

quinta-feira, outubro 20, 2005

Os anjos não vestem batas brancas



São agora três e meia e Clara já não se passeia por entre as montras do Centro Comercial. Com o seu passo decidido, vai-se afastando da confusão e do belo vestido preto que ficou na loja de roupa.
Ainda não tinha dado mais de vinte passos para lá da saída do Centro Comercial, quando ouviu um grito lancinante que ameaçava perfurar-lhe os tímpanos de tão agudo que soara.
Num gesto involuntário leva as mãos aos ouvidos para se proteger daquele barulho agressor e para sua surpresa alguém quase que a derruba ao passar por ela numa corrida desenfreada.
Clara fica um pouco atordoada com o incidente, mas rapidamente recupera o equilíbrio e apressa-se a procurar o culpado da sua quase queda. Olha à sua volta, mas não vê ninguém... o passeio está simplesmente vazio, como se as pessoas se tivessem evaporado. Na cabeça de Clara, surge então a imagem daquele gelado que ela por distracção deixou derreter nas suas mãos quando ficou a olhar fascinada para um casal de namorados que trocavam juras de amor mesmo ao seu lado.
Era parecido com o que estava agora a acontecer bem à sua frente... num minuto a rua estava cheia de pessoas e o seu gelado de camadas de natas e chocolate, mas só porque ela se distraiu por breves momentos a rua estava agora vazia. Assim, como o seu gelado que com o calor daquela tarde derreteu até restar apenas o papel prateado que o envolvia. E tudo, só porque ela se apaixonou e não conseguiu desviar o olhar daquele cenário romântico na praia. Existia realmente ali um fio condutor entre aqueles dois instantes vividos e Clara sentia que o tinha encontrado.
Ainda estava absorvida nos seus pensamentos, quando escuta um barulho estranho. Foi quase como se estivesse a ouvir o senhor Mendes do talho a quebrar os ossos da perna de porco com o machado. Sim, pensava ela satisfeita, era mesmo esse o som que acabava de ouvir.
Procurou então perceber o que tinha afastado as pessoas do seu caminho rotineiro e de onde teria vindo aquele som peculiar. Foi então que viu finalmente um amontoado de pessoas que se acotovelavam para se aproximarem de alguma coisa que Clara ainda não conseguia deslumbrar de tão espessa que era a barreira formada à frente dos seus olhos.
Decidiu aproximar-se, mas sem saber porquê usava passos lentos e indecisos como se por alguma razão desconhecida o seu corpo lhe disse-se para não avançar mais. Mas Clara, sofria da mesma doença que afecta todos os Homens à face da Terra e provavelmente também nos seus arredores...a maldita da CURIOSIDADE!!! Por isso, lá se foi aproximando do local do enxame mas sem deixar de sentir uma sensação de aperto no peito que lhe ia roubando o fôlego em cada passo dado.
Abriu caminho por entre todas aquelas costas transpiradas que lhe barravam a visão e ficou paralisada diante do horror que jazia ali perto dos seus pés.
Na estrada estava uma mulher ainda jovem deitada no chão totalmente imóvel de olhos parados e com o corpo manchado de sangue. Clara ainda tentou ver-lhe o rosto com mais pormenor para medir-lhe a idade , mas rapidamente surgiram dois vultos vestidos de branco que se debruçaram sobre a mulher tapando-a por completo com um lençol branco feito de um tecido baratucho.
Ergueram a mulher no ar e levaram-na com eles, mas Clara reparou que apesar de eles estarem vestidos de branco não pareciam ser anjos. Até porque Clara, ainda se lembrava de todas as imagens do seu livro de catequese de miúda e em nenhuma delas os anjos vestiam batas brancas...

II PARTE

A jovem mulher que Clara viu estendida no chão já cadáver, foi transportada por uma ambulância pintada de branco e ela olhava atentamente para o fundo da rua enquanto a via desaparecer naquele meio de transporte peculiar.
Na cabeça ainda guardava uma leve recordação dos traços do rosto daquela pobre mulher que viu a vida ser ceifada precocemente. Ainda era jovem, deveria ter segundo os seus cálculos mentais mais ou menos a sua idade. Talvez fosse um pouco mais velha, uns quatro ou cinco anos porque havia no seu rosto algumas rugas a mais do que no dela. E as rugas são o melhor indicativo para a idade de uma pessoa... são quase como os códigos de barra nos produtos do supermercado que nos indicam todas as características do produto que enfiamos para o cesto. As rugas são o nosso código de barras, porque naquelas linhas disformes está marcada toda a nossa vida sem direito a omitir os dias menos favoráveis. Está tudo lá registado e bem visível aos olhos de todos num simples franzir da testa.
Como teria sido a vida daquela mulher minutos antes de ter tido a ideia fatal de atravessar aquela rua?
Ela tinha um aspecto cuidado, vestia-se bem e usava um perfume caro o que seria um indicativo bem claro da presença de uma boa conta bancária no banco.
Talvez estivesse atrasada para retornar ao seu emprego onde deveria ocupar um cargo importante, com bastante responsabilidade e talvez por isso mesmo tenha tido aquele impulso de correr para a rua sem olhar á sua volta. Sim, aquela era uma hipótese provável no seu entender... mas ela ainda pensava noutras possibilidades.
Uma era difícil não lhe vir à cabeça naquele momento, até porque ela mesma também já tinha pensado nela como sendo a solução definitiva para todos os seus problemas... uma tentativa de suicídio bem sucedida.
Se calhar aquela senhora sentia-se muito sozinha, sem o carinho de um homem ou sem um filho nos seus braços. Ficou cansada de acordar sempre numa cama vazia e de ouvir todas as manhãs o silêncio trespassando-lhe as paredes da casa. Talvez ela sonhasse todas as noites com os ruídos de uma criança a correr pelos corredores soltando longas gargalhadas debaixo do olhar vigilante dos pais.
Sim, isso seria o suficiente para que aquela mulher sem nome quisesse acabar de vez com a maldita dor que sentia no peito. Clara conhecia bem essa dor e sabia como ela podia ser cruel e desgastante.
Mas poderia também não ter sido um suicido e aquela morte não passaria de um brutal descuido da parte daquela senhora.
Então ela imaginou duas pessoas discutindo com vozes alteradas e muitas palavras cuspidas sem qualquer sentimento da boca para fora. Se aquela mulher tivesse dito as palavras erradas à pessoa certa ou se tivesse escutado meias palavras poderia ter ficado perturbada e por minutos ter esquecido da realidade.
Naquela cabeça desesperada com a ideia de ter perdido o seu amor não haveria espaço para os carros na rua muito menos para passadeiras ao atravessar a rua. Não havia mais nada naquele olhar, só a imagem daquele homem, o resto do mundo ela tinha apagado.
E se as palavras que foram ditas ecoassem com força nos ouvidos naquele preciso momento, talvez a mulher nem tivesse ouvido o buzinar estridente do carro que a atropelou e assim tivesse avançado como um cordeiro inocente prestes a ser sacrificado.
Agora o pensamento de Clara parecia uma lista telefónica muito extensa com muitas ideias prontas a serem folheadas. Havia tantos motivos para aquela morte que Clara seria incapaz de mencionar todos.
Mas mesmo assim foi tentando enumerá-los enquanto caminhava no passeio com uma passada lenta e cadenciada.
Imaginou dividas de jogo conseguidas numa mesa de poker num casino luxuoso e cheques com quantias gordas a serem assinados pelas mãos franzinas daquela mulher e tossiu com o cheiro a tabaco que subitamente lhe invadiu a garganta.
Vieram-lhe à ideia embalagens de calmantes tomados ao deitar numa tentativa desesperada de trazer o sono à sua cama e o copo de whisky vazio na mesinha de cabeceira do quarto da falecida com uma garrafa ainda por abrir colocada ao lado de uma já meio cheia .
Teria sido este o cenário daquela mulher na noite anterior à sua morte? Estaria sozinha? Ou teria tido uma noite escaldante de sexo na cama de algum estranho engatado num qualquer bar lambido?
Talvez ela simplesmente estivesse a pagar os erros cometidos no passado ou mesmo no presente. Deve haver lá em cima um cobrador de almas à semelhança das finanças nos cobram os impostos e se ultrapassamos a data limite de pagamento são nos cobradas as dívidas e com juros.
Pobre mulher que não pagou as suas dívidas a tempo!

Daniela Pereira

quarta-feira, outubro 12, 2005

Compra-me o sorriso daquela montra...



Esta manhã, Clara saiu de casa com um andar despreocupado e os bolsos vazios. Hoje ela sabia que não teria nada para comprar com moedas porque os seus beijos serviriam de pagamento. Além disso o seu objecto mais cobiçado estava ainda plantado num jardim com os pés bem assentes na terra apenas baloiçando para o vento que soprava descontraído. Era bonita aquela tulipa negra que ela tinha visto ontem à noite durante o seu passeio nocturno. Poderia não a ter visto, mas ontem estava um luar tão luminoso e com as estrelas como lanternas ,Clara não teve dificuldade em descobrir aquela flor erguida na relva.
Durante largos minutos, ela ainda ficou de olhos semicerrados a imaginar que alguém passaria ali e gentilmente colheria aquela preciosidade para ela e com um sorriso rasgado estenderia a mão para depositar aquela flor junto do seu peito.
A noite estava tão silenciosa , que o seu suspiro profundo ecoou na paisagem calada e a pobre rapariga sentiu que o seu rosto adquiria um tom avermelhado impróprio para a sua tez normalmente caiada. Mas como ela estava ali sozinha foi-se esquecendo do embaraço e sorriu deliciada com a sua fantasia inocente.
Agora e depois de uma noite bem dormida, Clara já não sonha e apenas caminha pela rua olhando a realidade que a cerca. São duas e um quarto, e os corredores do centro comercial enchem-se de saltos altos barulhentos e conversas animadas, mas Clara mantém a sua boca bem fechada enquanto se vai desviando agilmente de alguns sacos que surgem na sua direcção sem mostrarem disponibilidade para evitar um choque que se aparenta iminente.
As montras são apetitosas ao olhar, recheadas de tentações sedosas e coloridas fazendo crescer os rostos colados aos vidros das montras .Clara ,é apenas só mais um rosto encantado entre tantos ,que já ocupam o seu espaço naquele circo de ilusões. Mas um desvio rápido do olhar para aquele rectângulo de cartão discretamente pendurado nos manequins faz perder toda a magia daquele momento. De repente, os charmosos manequins tornam-se disformes aos olhos de Clara, e aqueles tecidos luxuosos que lhes vestem o corpo de plástico parecem-lhe agora trapos velhos. Para que quero eu trapos velhos? Pergunta entre os dentes , enquanto baixa a saia que encorajada por mais uma rajada de vento teima em lhe por a descoberto as pernas franzinas .
Num gesto impulsivo, põe a mão na carteira vazia e vai invejando os sorrisos que saem das lojas brilhando como novos. No seu pensamento regressa então a imagem daquela tulipa negra combinando com os seus olhos de carvão e também ela sorri ...e eu juro por Deus que aquele sorriso era o mais bonito de todos os que estavam à venda naquela montra.

Daniela Pereira

quinta-feira, outubro 06, 2005

Entrevista na 1ª Edicção do E-Zine do fórum Bad Book's d'ont Exist

Olá a todos que por aqui divagam neste cantinho de poesia :)

Queria deixar-vos aqui um link para acederem ao E-Zine do Bad Books D'ont Exist e ficarem a conhecer um projecto de grande qualidade onde podem encontrar um espaço para uma leitura agradável.
Está também presente neste projecto uma pequena entrevista que dei a este fórum onde falei um pouco sobre alguns segredos que estão por detrás da elaboração do meu livro "Cortar as palavras num só golpe" e onde revelo mais alguns pedaços da minha alma.
Espero que disfrutem deste convite com prazer :)


beijinhos

Blue

quarta-feira, outubro 05, 2005

Amor demoníaco



Com uma alma de anjo
e um corpo esculpido pelas mãos do diabo
entrego-me ao teu amor
e sucumbo na tua paixão sem me debater.

Olho nos teus olhos
e vejo um mar imenso a explorar.
São ondas de rebeldia
e marés infinitas de calmaria
oferecidas num longo beijo molhado.
Bocas divagando no mesmo barco
sempre à deriva sem rumo traçado
nem pele onde atracar.

Em instantes dementes
soltamos os corpos ao vento
e agarrado nas minhas asas
viajas por entre mares de mel
e jardins de tulipas negras
fascinado com o pôr de sol
que pintei no céu só para ti.

Depressa chega a noite
com o sol adormecido debaixo do braço
caminhando passo a passo
para não o acordar.
Eterna cúmplice dos nossos pecados
ela estende os lençóis na cama
e chama por nós cheia de desejo.

VINDE A MIM AMORES IMPOSSÍVEIS
EM ENTREGAS DESMEDIDAS SEM HORA A LIMITAR.
CORPOS RECHEADOS DE HORMONAS
COM ALMAS INCENDIADAS ATEADAS NA BOCA.
LIBERTEM O DEMÓNIO QUE ESSA PAIXÃO ENCERRA
E QUEIMEM O MUNDO À VOSSA VOLTA
SEM TEMER MORTOS OU FERIDOS DEIXADOS PARA TRÁS.
UNAM OS VOSSOS PEDAÇOS
NUM MESMO TODO
CORTANDO AS AMARRAS QUE OS SEPARAM
E FUNDINDO OS VOSSOS RESTOS COM DOÇURA...

Ouves o grito da noite, meu amor ?

Sussurra palavras sedutoras com delicadeza
e suspira com o suor tatuado no rosto
adivinhando os nossos desejos escritos na pele.

Deixa-me responder ao seu apelo
e não me peças para pensar nos limites do meu corpo
porque esta noite quero entregar-te a minha alma.
Quero arder no seio desse amor demoníaco
e dar a provar a tentação da carne à tua boca
durante horas sem fim
até que deste anjo azul nada mais reste
que meras penas queimadas espalhadas pelo chão.
Daniela Pereira

quarta-feira, setembro 28, 2005

Deixa-me só escrever estas linhas antes de voltar a sorrir...



Deixa-me só escrever estas linhas no papel antes de esboçar o meu sorriso rotineiro...

Estava aqui a pensar, que não é fácil olhares para o lado e não veres ninguém por perto. Parece que dói aqui dentro, quando pedes ajuda e nenhuma voz ecoa uma resposta. Tens aquela sensação dolorosa, e eu acho que ainda te lembras dela se te esforçares um pouco...daquela sensação imensa de vazio.
Pois é, meu caro amigo, estás simplesmente sozinho! E não tens como o negar, porque toda a gente o vê.
Olhas para aquilo que tens de teu e chegas à brilhante conclusão, que não tens nada. Uma vida própria é uma miragem, porque o destino te pregou uma partida e tu não soubeste vencer o desafio. Então achas preferível esconder a cabeça num buraco bem fundo e enterrar o teu mundo ainda a esbracejar.
E as pessoas que sempre estiveram sentadas contigo prontas para uma boa gargalhada onde estão agora?
Estão a viver porque foi para isso que foram feitas...para viver de cabeça bem erguida.
E tu, onde estás tu? Preso naquele quadradinho que tu chamas de vida, naquele quadradinho tão pequeno que dá para conhecer todos os cantos num passo apressado em apenas um minuto.
Até que essa caixa onde vives não é feia! Todos te dizem que é bem simpática, acolhedora, sempre bem arranjada e aquela jarra de plástico que tens na mesa com o formato de um coração dá-lhe sempre um ar primaveril. Mas fazes bem em esconder sempre as tuas lágrimas no teu peito de cinzeiro, quando chegam os teus convidados. Assim não os assustas logo e eles ainda permanecem no teu lar durante algum tempo. E tu gostas de os ter ali, não gostas? Sei que sim, não adianta negares porque tu não te dás bem com a solidão mesmo que insistas em te isolares nos teus sonhos.
A solidão causa-te arrepios nas costas porque tens o frio colado na pele e o calor da recordação daquele abraço já arrefeceu. Recordação... que engraçado usar esta palavra, até porque é a palavra que melhor te define agora. Tu não passas de uma eterna recordação na vida dos outros!
Eles recordam o teu sorriso esculpido para a fotografia, a tua graciosidade a dançar e a exibir o corpo, a chama dos teus beijos quentes, a metamorfose da menina docemente romântica numa gata com as garras cravadas na cama ...pensando bem, até que não és uma recordação má de todo.
Estás a ver? Não percebo porque é que ainda te queixas com tantas palavras azedas na boca...

Daniela Pereira 28/09/05

quarta-feira, setembro 14, 2005

A minha última gota de sangue



Preguei com pensamentos de aço
o coração aos dedos e fui sangrando por aí...

Deixei uma gota de sangue na praia
quando repousava a inquietude da alma
num chão de areia quente
com os olhos hipnotizados
pela beleza de um silêncio imortal.

A segunda gota caiu no mar
e ali ficou
misturada numa infusão de verde e azul
com sabor salgado.
As veias nem lhe sentiram a falta
imersas naquele liquido multicolor
e ela lá foi
apaixonada por uma alga castanha
que encontrou flutuando à deriva.

Depois de perder a segunda gota
senti uma leve tontura
e as pernas a fraquejar
mas ainda havia muito vermelho
para pintar os meus passos no chão.

Ergui de novo o corpo
e caminhei em direcção à lua sentimental
com a lentidão amarrada ao andar
enquanto salpicava as nuvens
com pingos cor de fogo.
Depois beijei com os lábios palidamente serenos
a pele dos meus dedos
e na sofreguidão daquele beijo
roubei ao peito a última gota de sangue.

Daniela Pereira 29/08/05

domingo, setembro 04, 2005

Consciência muda




Se estou a escrever estas palavras, então é porque perdi o juízo de vez! Só alguém completamente enlouquecido pela dor, tem a capacidade de desabafar para uma plateia vazia.
Eu, até já representei algumas vezes no palco... já fingi mágoa com o coração transbordando de felicidade fingindo ser outra pessoa ,mas nunca tive a inteligência de ocultar o meu sofrimento na vida real.
Acho sempre que depois de o partilhar ele diminui de intensidade e vai perdendo a força... e julgo, que quase sempre é assim...mas é este QUASE que nos fere mais quando com ele chocamos de frente.
Sempre disse que as palavras são poucas para tantos sentimentos espalhados... elas contam-se pelos dedos da mão e repetem-se, repetem-se incessantemente atiradas de uma margem para a outra no papel.
As palavras cansam e também se sentem cansadas quando percebem que só constróem frases sem sentido. Alguém tapou os ouvidos ao mundo e já ninguém te consegue ouvir mesmo que tu grites em cima da ponta do seu nariz. Estão todos surdos à tua volta, pensas tu magoada... mas estarão mesmo surdos? Já pensaste que essa surdez pode ser intencional e que eles apenas não te querem ouvir porque o resto do mundo tem uma voz mais bonita do que a tua? Não , claro que não pensaste!!! És orgulhosa demais para pensares que não passas de um grão de terra igual a tantos outros que pisas todos os dias quando caminhas.
Gostas de acreditar que és especial, que és única nessa tua maneira de ser eternamente sonhadora.
Mas, deixa-me que te diga e faço-o de cabeça fria sem estar drogada por emoções...NÃO ÉS!!!
Existem muitos mais iguais ou bem melhores do que tu e nem precisas de procurar muito...abre os olhos por uma vez que seja na tua vida.
Se estás a escrever estas palavras é porque te sentes novamente sozinha no mundo. Tu sabes que esse sentimento faz doer, até já conheces com precisão o volume das lágrimas que derramas sempre que esse momento chega.
Então, porque tentas encontrar sempre um culpado para as feridas que tu mesma reabres quando te deixas afogar na dor! Não faz sentido... tenta não pensar nela talvez ela assim desapareça.
As nuvens não se afastam sempre depois da chuva cair e não é sempre um sol radioso que recebes como prémio de consolação pelos dias cinzentos? Claro que sim, pelo menos até que outra tempestade se instale no teu horizonte.
Mas se é realmente assim, porque é que ainda tens os olhos inchados e vermelhos? Onde é que está esse sol que te prometeram com um sorriso rasgado na boca? Não o consegues ver, pois não?
Nem sequer entendes, porque é que não consegues apagar da folha as inúmeras interrogações que não param de aparecer na tua cabeça!
Como tu gostarias de ter todas as respostas para os teus medos guardadas na palma da tua mão...Era bom, não era?
Não sofrias ao tentar adivinhá-las nas noites em claro, nem tão pouco irias sentir esse vazio que te incomoda a crescer dentro de ti.
As palavras não deixam de fluir nos teus dedos e ainda escorrem na pele porque sentes que tens muito para dizer e já não consegues estar calada.
O silêncio sempre te incomodou e encerrares a alma numa gaveta nunca fez parte dos teus planos.

Então ,fica para aí a chorar e a rabiscar folhas de papel no escuro se achas que isso te acalma.... se calhar é o melhor que fazes.

Daniela Pereira

segunda-feira, agosto 29, 2005

Sonho numa noite fria de Verão



Este corpo é carne envolvida
em seda macia ao toque.
Esta alma é uma escultura de vidro
transparente aos olhos que a imaginaram sem defeitos.

E as tuas mãos o que são?

Uma perfeição esculpida com dez dedos delicados
que desvendam os segredos da minha pele
com os olhos fechados.
Posso jurar-te sem mentir
que eles sabem a mar
quando os lambo das tuas mãos
à luz das velas apagadas.
Essas tuas mãos são tão quentes...
É como se as tivesses posto na brasa
antes de as derreteres no meu umbigo.
E como são belas...
Mais belas que aquele jardim
que encontramos escondido nas nuvens
onde tu e eu
caminhamos salpicados de areia branca.

E esse beijo com gosto furtivo?
Ai, esse beijo...

Levou-me à lua num milésimo de segundo
enquanto os meus lábios explodiam numa paixão acalorada.
Roubou-me os sentidos
quando a tua língua
se enrolou na minha
e lá ficou mastigando calmamente
a minha boca macia.
Então lembro-me vagamente
de me deixar cair nos teus braços
na certeza que me abraçavas.
E ali fiquei suspensa por longos momentos
numa queda em câmara lenta
até ouvir o tempo desiludido
sussurrar-me ao ouvido
que o meu sonho chegara ao fim.
Nesse instante abri os olhos
e senti frio em plena noite de verão

Daniela Pereira

quinta-feira, agosto 25, 2005

Uma rosa da rua e um homem só




Hoje encontrei no caminho
uma flor solitária.
Tinha um doce aroma a baunilha
e nas pétalas uns lábios vermelhos bem pintados.

Olhei para a desgraçada
presa no chão empedrado
e ela curvou-se na minha direcção
apoiada numa brisa delicada.
Medi-lhe os contornos
esticando o olhar até ao seu limite
e com o sangue fervendo
roubei-lhe o perfume do peito.

Sem pensar ...
aproximei-me da sua fragilidade
docemente encantadora
com as más intenções
ocultadas nos dedos cruzados.
Então, não resisti e toquei-lhe...

Toquei-lhe
para sentir o seu corpo de seda
num toque fugaz.
Depois espetei os dedos nos seus cabelos de espinhos
e bebi-lhe a alma com a boca molhada.
Quando a esvaziei por completo
ela desnudou a sua inocência só para mim
e com as mãos frias estendidas
implorou-me que comprasse
a rua onde caminha
com notas bordadas no vestido.

Daniela Pereira 25/08/05

sexta-feira, agosto 19, 2005

Carne licorosa



Da varanda do hotel
vou recolhendo o ontem em lembranças de espuma.
Fundo momentos com o mar
e fico a vê-los morrer na serenidade
de uma onda quebrada.

Viajo quilómetros
com os olhos embarcados na saudade
e vou sorrindo
para o céu azul que espreita
as minhas mãos vazias de suspiros.

Vou perdendo sonhos na areia
como se fossem migalhas.

Depois ao regressar à praia no fim da tarde
já não os encontro
porque partiram à deriva
nas asas de uma gaivota alucinada.

Então...
afogo sentimentos numa taça de vinho
servida bem gelada
para não destoar com o frio cravado no coração.
Perco-me em tradições
que não são minhas
e cultivo sorrisos frágeis
nas folhas de uma videira.

Á noite, deito-me embalada
pelo som de uma gaita de foles embruxada
e não me reconheço
naquele papel de feiticeira.
Não quero acreditar
que seja eu
quem está reflectida naquele espelho...
Mas os olhos não mentem
e naquele momento mágico
sou apenas mais um corpo
bem regado a licor.

Daniela Pereira

quinta-feira, agosto 11, 2005

Trovoada matinal





Hoje sei que acordei...
Como sempre acordo
com os pensamentos encostados no meu ombro.
Sempre com aquela vontade imensa de fugir...
De correr sem nunca mais parar
e deixar para trás o mundo.
O Mundo...
Aquela bola gigante
onde rodopio de olhos fechados
e com pregos cravados nos pés descalços
inocentemente mergulhados na brancura das nuvens.

Hoje sinto que as palavras de nada me vão servir
Precisava de as multiplicar por mil
e teriam de ser todas sussurradas
com suavidade.
Ditas com ternura e
escritas com a alma despida
para eu voltar a acreditar nelas.

E o mar azul que tanto admiro?
Hoje tinha que ser pintado de novo
com cores mais garridas
Porque o verde das algas
e o azul das águas hoje não vão disfarçar o breu instalado no olhar.

Procuro por entre as caixinhas de música
uma melodia que me acalme e
embale esta tristeza que me vigia de perto.
Enquanto os sons se espalham na sala
voando em todas as direcções
com emoções amarradas nas asas
eu toco lentamente com finos dedos
mais uma tecla ocasional
e fico à espera pacientemente que a profundidade de um poema
engula a tempestade que troveja no meu corpo.

Daniela Pereira

segunda-feira, agosto 08, 2005

Embarcar na cama ao lado



Abriu o caderno lentamente
mais ou menos no seu meio
e escancarou-lhe as páginas em cima da mesa.
Hoje decidiu rabiscar uma palavra vagabunda
e uma linha escrita ontem
é terminada apressadamente com um ponto final desfocado.

Salta algumas folhas distraídamente
ainda habituada à precisão do toque de um teclado
e com as letras cabisbaixas chora no papel.
Mas no seu pranto não se esquece
de perseguir a fantasia com a mãos sujas de tinta
e vai pintando um mundo que não é o seu
com palavras tímidas expelidas da boca.

Não é uma mulher original...
Nem sequer se distingue das outras
que o homem esculpiu para decorar a monotonia do seu jardim.
Não tem asas de anjo
mas voa rente aos sonhos
e rouba-lhes todas as noites pedaços do seu encanto
apenas porque isso a faz sorrir.

Pega fogo aos olhos com paixão
na certeza de ver o pôr do sol forrado no olhar
e a escuridão da alma reduzida a cinzas.
Perde-se em desejos carnais
deitada num colchão de delírios
com os lençóis cobrindo-lhe os seios apetecidos.
Atinge a lua num grito agudo
enquanto o corpo treme de prazer
aguardando ansiosamente a chegada da próxima onda musculosa.

Mas não se sente segura naquele mar de abraços inconstantes
A pobre mulher docemente sonhadora...

Então, quando a madrugada bate à janela
desce do barco das ilusões
e com as unhas vai abrindo estradas
na esperança de finalmente descansar na segurança
da cama ao lado.


Daniela Pereira 07/08/05


terça-feira, agosto 02, 2005

Eu reflectida na tua janela



Não me conheces...
Ninguém me conhece por inteiro.
Porque sou apenas mais um caco
daquele vaso partido na sala.
E é o pedaço mais bonito,
o que tem mais cor que exibo cheia de orgulho
nas mãos esmaltadas com palavras...
Aquele pintado com sorrisos nas pétalas
e ilusões nas folhas.
Mas se olhares de perto
vais notar os cortes
que fiz nos joelhos
quando tentei saltar para o topo do mundo.
Quando quis fugir dos meus medos
e atrever-me a virar para sempre as costas à minha realidade
com toneladas de sonhos aconchegados no peito.
Mas deixei o mundo partir
e fiquei a acenar no cais
enquanto fazia amor com os teus olhos.

Não sabes que danço bem...
Acho que sou a maior bailarina do universo
quando solto o meu corpo
ao som de uma cascata de emoções
e fundo a minha alma às notas que bailam na pista.
Ganho asas quando solitária
serpenteio a carne no calor da noite
e sabe tão bem essa liberdade de borboleta temporária.

Nunca viste a revolta que guardo escondida na gaveta
mesmo por debaixo do caderno dos poemas.
A vergonha de atirar oportunidades pelo chão
como se fossem berlindes coloridos
apenas por não ter coragem de sentir a dor a estalar nos dedos.
É preferível rasgar mais uma folha
e atirar a raiva contra a caneta
para me sentir menos culpada por não tentar.

E sabes que também choro?
Claro que sabes...
Passo o meu tempo a chorar no teu ombro
e a cobrir as tuas palavras serenas com sal.
Sou quase uma nuvem carregada
pronta a molhar qualquer deserto
que se pendure nos meus braços.

Não me conheces...
Porque eu não quero dar-me a conhecer
e adoro imaginar que sonhas com os meus mistérios
sempre que invado sorrateira as tuas noites
com versos perfumados presos às ondas do cabelo.

Daniela Pereira 31/07/05

segunda-feira, agosto 01, 2005

Partem-se pedras



Partem-se pedras abandonadas na alma
martelando flores nos dedos ansiosos por uma carícia.
Virando de pernas para o ar
o relógio da cozinha
esperando que o tempo retroceda.
Escrevendo as palavras ao contrário
cravando o bico da caneta à direita da folha
e deslizando suavemente pelo papel.
Desenhando com a tua mão esquerda irrequieta bocas amanteigadas no tecto
enquanto dos teus olhos vão pingando gotas de mel.

Barras o corpo nos lençóis
e vais dourando a pele
enquanto dás voltas na grelha
para atingires o tom perfeito.
Gritas baixinho
porque tens a garganta entupida
com os pedaços de vidro que engoliste esta noite.

Porque sabes que uma moeda oferecida a um pedinte
não lhe enche a barriga
insistes em furar o teu coração
para que dele caiam sempre migalhas doces
prontas a alimentar uma alma carente
que encontres por aí
nas tuas caminhadas sonhadoras.

Por agora vagueias tranquilamente
com as mãos incendiadas
em nuvens de chuva ácida
com palavras básicas protegendo a fragilidade da tua pele.
E vais partindo pedras incessantemente
Uma a uma
Devagar...
sem sentires pressa nenhuma.
Porque a tua alma é profunda
e ainda tens muitas flores para semear nos teus ossos.

Daniela Pereira 31/07/05




domingo, julho 31, 2005

Gritar com os dedos



ESCREVE...escreve todas as palavras
que te assaltarem a mente
e não hesites em prendê-las no papel
se sentires que elas tentam fugir dos teus lábios.

MATA... mata todos os espaços em branco
afogando-os em rios de tinta preta
até deslumbrares algumas letras confusas
boiando nas tuas folhas .

BEIJA...beija todos os teus versos
com a intensidade que te rasga a alma
e mancha as tuas palavras de batom
enquanto o teu coração segura a caneta na boca

CHORA...chora todas as tuas lágrimas
mas não as deites fora num mísero lenço de papel...
Faz delas andorinhas
e deixa-as chocar com o mar salgado
até que as ondas lambam todo o seu sal.

Depois, espera com as mãos bem abertas
que chovam sorrisos
das nuvens que pintaste logo pela manhã
com os olhos vendados.

Daniela Pereira 27/07/05

quarta-feira, julho 13, 2005

Pensamentos ainda em branco...




Não consigo escrever um poema que abranja tudo o que sinto... faltam-me as palavras de um novo dicionário inventado ao luar.
Foram cem, provavelmente seriam talvez duzentas as folhas que escrevi agarrada a um coração entorpecido de paixão.
Saltei as noites com os olhos abertos e os pensamentos girando na cabeça roubaram-me o sono .
Preguei os dias no peito e fui cravando os desejos incessantes cada vez mais fundo para não os perder enquanto caminhava numa estrada vazia algures no tempo.
Amei com uma garra que julgava já não possuir, porque alguém a teria arrancado à força durante a minha última queda. Amei?...Não amei, amo e amo cada vez mais num silêncio que me trespassa e corta –me o corpo em finas fatias de pele suada. Respondo à sua chamada com os braços abertos sempre prontos para aquele abraço esmagado de ternura. Sempre com sorrisos despidos nos lábios num strip lento e os beijos quentes ardendo no céu da boca.
Dispo-me para ti... lavo dos olhos as lágrimas ácidas com a suavidade de um óleo de rosas e percorro o rosto com uma fina camada de creme hidratante para ocultar o deserto traçado na cara pelas mãos secas da saudade.
Escolho aquele perfume que sei que anestesia os teus sentidos e enrolo-me no teu corpo como um animal assustado pedindo abrigo.
Sinto o teu calor aquecendo cada pedaço nu que aconchegas e converto-me numa fera com os olhos fulminando a escuridão e rasgo a tua alma com os meus dedos.
Depois não me recordo de mais nada...calo os sons da noite , engulo os gemidos com água na boca e adormeço tranquila com uma folha de papel na mão ainda em branco.

Daniela Pereira- 13/07/05

segunda-feira, julho 04, 2005

Na calada da noite



Tenho saudades...
Do meu todo
Do teu nada
Daquele tempo que eu parava
sem precisar de abanar o relógio
retorcido na apressada caminhada dos minutos.
De tatuar mais um beijo abafado
numa almofada de palavras aconchegantes
escritas no silêncio de uma noite de cetim.

Da lua a rasgar o céu
com lâminas de prata
deixando desejos fragmentados
incorporados nas estrelas
que brilhavam solitárias
no vazio do meu regaço.

Dos meus olhos escuros
projectando sombras na parede
na presença de um sol
encalhado nas pestanas
e repartido com generosidade
numa pele morena arrefecida
na frieza de uma solidão.

Tenho saudades...
De sorrir
com a boca enfeitada de rosas rubras
e a satisfação
espelhada nos lábios
pintados de fresco.
.
Do aroma
a maresia
que os teus olhos
espalhavam nas tardes partilhadas
na transparência de uma tela de vidro.

Da onda de calor invadindo o inverno dos nossos corpos
deitados numa lareira imaginada por mim
com a chuva pingando dos dedos
sempre pronta a apagar alguma chama esquecida por ti
antes de partires para o teu mundo real.

Tenho saudades
e este sentimento não me abandona nem por um segundo
mesmo depois de ter tentado mil vezes
na calada da noite
afogá-lo num imenso mar de lágrimas sorridentes.

Daniela Pereira 04/07/05

quinta-feira, junho 30, 2005

Suborno em três actos




Ontem subornei as estrelas com duas moedas
na mão e pedi-lhes que brilhassem só para mim
durante toda a noite.
Não me esqueci de ti e guardei uma
para ir decalcando no teu olhar
enquanto o sono não vinha.

Hoje subornei o sol com três brilhantes
nos dedos e murmurei-lhe um pedido.
Queria que se fundisse ao meu corpo
lentamente e tatuasse na minha alma
um coração em chamas.

Amanhã vou subornar os pássaros no jardim
com quatro assobios roubados ao fundo da garganta.
Depois vou contar-lhes um segredo
e com a voz bem aprumada
vou ao som das guitarras penduradas nas árvores
cantar num fado esta saudade que sinto de ti.

quarta-feira, junho 08, 2005

Corpos em Fogo

Olá!

Queria através desta mensagem anunciar-vos o evento Corpos em Fogo a realizar pela Corpos Editora e convidar-vos a comparecer no dia 16 de Julho depois das 21h30 no Hartes bar na praia da Madalena ao lançamento do meu livro "Cortar as Palavras num só golpe".
Em baixo deixo a programação de todo o evento e o link para uma página informativa mais detalhada.

A todos queria deixar um grande beijo e dizer-vos que gostaria de contar com a vossa presença.

Daniela Pereira

Junto segue a programação de todos os eventos.

>>>A Corpos em Fogo- Hartes bar: http://www.hartesbar.com/



>>11.Junho.2005 (Sábado) - Actuação dos Reckless e de Hugo Moss - >Apresentação do CD À Boca do Amor de Ex-Ricardo dePinho Teixeira e Ironic Salazar - Lançamento do livro Prelúdios do Nada de Luís Viana Romero - Apresentação dos livros Escandalosamente Ela de Mirandulina Rego / Guerrelheira da Emoção de Ema Correia / Caminhos de Luís Ribeiro - Pintura ao vivo por Ema Correia e Mirandulina Rego

>>18.Junho.2005 (Sábado) - Actuação dos Sonsdoficina e dos Papel - >Apresentação dos livros Viagens num Mundo Imperfeito de Raquel Queirós / Sensação de Mundo de Cláudia Martinho / 13 de Francisco Fardilha

>>24.Junho.2005 (Sexta) - Actuação dos Quetzal´s Feather e dos Puro Naif - Apresentação do livro Estrelas (de)Cadentes de Cátia Rodrigues - Projecção Vídeo e apresentação do livro Off de Lara Mendes

>>25.Junho.2005 (Sábado) - Actuação de Miguel Pereira e dos Limbo - >Apresentação dos livros Alma do teu Ser de Miguel Nascimento / Supernova de João Páris

>>02.Julho.2005 (Sábado) - Actuação dos Papaformigas e dos Sépia - >Apresentação do livro Eco do Silêncio de Sérgio Guerreiro - Actuação do Projecto Ode Odium - Lançamento do livro de Isabel Duarte

>>16.Julho.2005 (Sábado) - Final do Concurso de Bandas - Lançamento do livro Cortar as Palavras num Só Golpe de Daniela Pereira - >Apresentação do livro Segredos da Gaveta de Ana Caeiro
.

Mais em http://spaces.msn.com/members/kostapedro/

>>A entrada no recinto são 5 euros que serão descontáveis em livros e Cd´s.>

sábado, junho 04, 2005

Ontem, o que foi o tempo?


Ontem vi o tempo a correr
em frente aos meus olhos
e fingi que ele estava parado.
Fui lentamente travando o relógio
com palavras disparadas para o silêncio à velocidade da luz.

Nem as deves ter escutado todas
porque muitas ficaram retidas no vácuo das horas.

Uma imensidão de letras e sinais
povoaram a casa de papel caiada de branco
e tiveram um sol que na noite as fez brilhar
a cada segundo reflectido na janela.

Não pintei um arco-íris na folha
porque o nosso tempo tem minutos coloridos
sempre que te abro a porta do meu mundo.

Pendurei cortinas castanhas nos meus olhos
para as cerrar quando uma onda de tristeza
invadisse o meu olhar desprevenido.
Tive o mar roçando os meus pés
mas evaporei-o no ar quente da tua presença
esquecendo o frio soprado pela boca gelada da ausência.

Ontem enquanto o tempo às escondidas
escoava apressado pensando que eu não o via,
as minhas mãos foram uma mesa
sempre posta com palavras de veludo
para saboreares .
O meu coração mais uma jarra
com flores enamoradas adormecidas ao peito
de sorriso vermelho pintado nas pétalas.

E o tempo?
Ontem o que foi o tempo?
O tempo foi somente uma barreira de cristal
estilhaçada com palavras aguçadas pensadas em segredo.




quarta-feira, junho 01, 2005

Estás louca?



Parte-me o espelho
para eu não ver mais este rosto inútil.
Estilhaça a escuridão dos meus olhos
com um tiro certeiro
e não receies errar
porque vou colar a cara ao vidro.
Posso até escolher a pedra se quiseres!

Rasga-me o corpo
e corta as minhas roupas em farrapos.
Tens uma tesoura à tua espera
na caixa de costura
porque não vou mais
coser sorrisos nos teus braços.

Quebra-me os ossos
com os teus músculos de aço
e essas mãos de ferro.
Fura-me a pele
e espeta-lhe fios de seda
para dominares os meus gestos
como se eu fosse uma reles marioneta.

Pinta-me a janela de negro
e põe fim aquele sol
que não quer deixar de brilhar
em todas as manhãs que acendes no quarto.
Prende os meus olhos com fita cola
sempre que os vires
a olhar para ti hipnotizados
e lava-me a boca com sabão
quando ela te gritar palavras apaixonadas.

Quando eu escrever no papel que te amo
Responde-me em silêncio...
ESTÁS LOUCA!!!


domingo, maio 22, 2005

Gravar palavras com o bico da caneta


Porque as palavras fortalecem laços
e rasgam distâncias com a ponta dos dedos
Gravo a minha pele nestas linhas e
escrevo para ti com a alma vendada
a deslizar no papel .

Não olho as estrelas esta noite
porque aborrece-me o seu pálido brilho.
Prefiro abrir o peito com o bico da caneta
e deslumbrar o olhar com a luz
que encadeia este cego coração.

Tremer o corpo desde os dedos dos pés
até à raiz dos cabelos
imaginando o teu cheiro
impregnado na roupa
atirada para o chão.

Desaparafusar todos os pensamentos
cravados na cabeça bolorenta.
Varrer as teias de aranha
instaladas no tecto
e apagar todas as linhas da vida
por mim cruzadas na palma da mão.

Pinchar a boca com palavras rubras
e gritar para os meus sonhos amordaçados
que chegou a hora de voar.
De erguer as asas que teci
com penas de ilusão
e percorrer o resto do mundo
embalados num mar de tinta preta

domingo, maio 15, 2005

Poetisa


Ser poeta é ser corpo
e amar com a alma.
Ser poeta é prender o tempo
com três suspiros imortais
desfalecidos na garganta.
É sorrir para a solidão com os dedos pingando palavras
e fazer do mundo o seu sonho apenas com uma folha na mão.
Palmilhar todos os recantos
do coração despido
com uma caneta
espetada na pele.

Nos espaços vazios
que separam todas as letras
ocultar as batidas mais fortes
que lhe arrancam o peito.
Com frases curtas somar segredos
como se fossem pequenos grãos de areia
e com eles construir uma montanha
nos lábios da madrugada amordaçada
por beijos ruidosos.

Num verso sonhado
com a cabeça pousada na realidade
as lágrimas não sabem a sal
e a água que os olhos derramam no papel
queima a boca quando provada.
O fogo que lavra nos dedos
incendeia todas as folhas escritas
com o sangue servindo de tinta.

Entre dois sussurros
e um grito de prazer
debaixo de um lençol de seda.
faço nascer um poema
e não sou poeta.

domingo, maio 08, 2005

Bafo quente


Corro sozinha com os braços abertos
para a devassidão do vazio.
Sinto na pele fria
uma chama imensa
que devora o ar gelado da noite.

Sopra com força dragão
esse bafo quente
contra os meus sonhos
e incendeia-os de fantasia.
Leva a minha alma alada
pendurada nas tuas costas
enquanto durmo agitada .

Conta-me histórias
de um tempo que não existe.
Imagina as lutas
de heróis que se curvaram
perante a tua fúria.
Recria o choro
das donzelas cativas
que seus amados perderam
apagados na tua boca.

Foge comigo esta noite
se os meus olhos ainda estiverem em brasa.

Rasga o peito dos homens
que fizeram de mim
este corpo jogado ao vento.
Trespassa-lhes as veias
com as tuas garras
e bebe comigo o seu sangue doce.

Prometo com as estrelas
como minhas testemunhas
que irei embalar
todas as noites a nossa amarga solidão
com canções suspiradas.

Prometo escalar o céu de prata
vestida com uma túnica doirada
e com rosas de fogo presas no cabelo.
Debruçada no parapeito da lua
sorrirei para ti
enquanto reduzes na areia do deserto
os meus monstros a cinzas.

quarta-feira, maio 04, 2005

Pilhar a alma com o corpo


Estou sentada com o corpo irrequieto
deslizando na cadeira
e os dedos baloiçando no teclado
ao ritmo imposto pelas palavras bocejadas.

A cabeça percorre velozmente
todos os suspiros ecoados numa noite
e suborna os olhos com lânguidos acenos
para que mantenha aprisionadas na retina
as imagens despidas na escuridão.

O nariz empinado vai procurando
os aromas nocturnos que o deliciaram
por entre os cheiros rafeiros
que se espalharam no odor matinal.

As pernas cruzam-se
varrendo a esquerda e a direita
com movimentos oscilantes
em busca do encaixe perfeito.

A pele rebusca o toque incendiado
que a lambeu com beijos ardentes
enquanto as cortinas se encolhiam
na janela envergonhadas.

Sinto a frescura do vento
soprado com força
esbofeteando o meu rosto suado
numa tentativa de acordar a alma adormecida no corpo.

Mas ela dorme pacificamente
e louca ainda sonha deitada
com o coração servindo de cabeceira.

segunda-feira, abril 25, 2005

Cortar as palavras num só golpe



Corto os pulsos sem lâmina
porque prefiro uma morte lenta
e a dor sabe fazer esse trabalho sujo
melhor do que ninguém.
Mata lentamente a alma com a cadência certa dos ponteiros
de um velho relógio de corda
pendurado na parede.

Enquanto o coração
tenta manter a batida
dando murros no peito
eu fico sozinha
refugiada em mim mesma
enxugando todas as lágrimas
que rolam pelo pescoço
até apenas restarem pacotes de lenços vazios
estendidos em cima da secretária.


As palavras ...
já só gaguejam no papel
com receio do que poderão dizer
se escancararem com violência todas as letras.

As mãos...
tremem assustadas com a intensidade
das letras que carregam nas costas
e inocentes vão sufocando os gestos
com as linhas que ficaram por escrever
entaladas nas curvas da caneta.

domingo, abril 24, 2005

Ao acaso...


Quero gritar bem alto...
Projectar as palavras
para longe da garganta.
Libertá-la deste nó
que a sufoca
sempre que abro a boca.

Escrever frases sem nexo
sem conexão com os sentidos.
Cortar ligações entre palavras
e os sentimentos enlouquecidos .
Amachucar as letras
como se elas fossem apenas desperdícios.
Juntá-las por brincadeira
e como uma criança
construir palavras sem pensar.

Respirar lentamente
este ar doce que me envolve
enquanto a noite acaricia
a minha pele com mãos de veludo.
Olhar em frente
mas com o coração debruçado
nas curvas do silêncio
que ecoa no quarto.

Respirar profundamente
e asfixiar-me de desejos.
Rasgar os lençóis da cama
com os dentes trilhados na seda.
Quero rir bem alto...

Pregar os sorrisos à parede
como se fossem quadros.
Ensurdecer o silêncio
com gargalhadas sonoras.
Mergulhar numa banheira
encharcada de perfume
e fazer inveja às rosas.

Quero sonhar que ainda estou viva
enquanto caminho nas nuvens
e deixar morrer suavemente nos meus braços
todos os desejos sonhados contigo ao acaso.


quarta-feira, abril 13, 2005

Receita para uma insónia...


Esta manhã acordei com os pensamentos baralhados, como se alguém tivesse invadido a minha cabeça e com o intuito de encontrar alguma diversão tenha cruzado todos os momentos guardados e espalhado aleatoriamente as emoções que a eles estariam correspondidas.
Como é que eu poderei explicar melhor este acto?
Foi como se as alegrias inerentes aos bons momentos passassem a ser sentidas como sorrisos de plástico... melhor ainda, como se as palavras coloridas tivessem sido todas pintadas com uma tinta negra bem carregada. Já os maus momentos, esses foram crescendo exponencialmente, porque alguém decidiu que existia mais emoção e desafio nas operações de multiplicar do que nas banais subtracções. Vendo bem, até que é compreensível essa escolha!
É engraçado, acordar, depois de uma noite mal dormida... daquelas noites em que podemos perder todo o tempo do mundo a olhar para o tecto que mesmo assim ele não muda de cor. Nem vale a pena, fixarmos os olhos com firmeza nessa estrutura imutável ... só o preto da escuridão reina na noite, não há espaço para outras cores.
Nessas noites de insónia, o tempo parece que se esquece de passar... fica por aí distraído com alguma imagem sedutora e vai-se deixando ficar a saborear todas as horas intensamente. Enquanto ele se distrai, tu esperas que essas horas corram e dás voltas nos lençóis, como se fosses um bicho numa derradeira tentativa de escapar ao seu cativeiro. Ficas nervosa, com a ansiedade entranhada na pele e os olhos vermelhos de cansaço. É então, que se inicia o ritual do tentar adormecer... primeiro fechas os olhos, mas fechas os olhos com força, como se tivesses um cadeado nas pálpebras . Depois, vem o esvaziar da mente.
Esta fase é a mais complicada... nunca é fácil conseguir "arrumar" num cantinho os pensamentos e varrê-los todos da tua cabeça . Existe sempre alguma "poeira" que nos esquecemos de limpar, ou porque está bem escondida ou simplesmente porque está tão agarrada aos teus neurónios que nem com uma espátula a consegues remover. Então, vais-te remexendo na cama à espera que esse gesto agressivo assuste os teus fantasmas. Quando sentes que a tua mente já entrou num processo de anulação , inicias rapidamente uma nova fase... agora preenches outra vez a mente vazia com os teus desejos e os teus sonhos.
É lindo, parece que despejas-te sem querer na tua cabeça ,uma lata inteira de tinta cor de rosa, daquelas bem foleiras. Pronto, agora é só ficar a sorrir, com um sorriso dengoso o resto da noite, e o teu problema de insónias está resolvido. Amanhã, já esqueces-te tudo, porque foram só ilusões criadas com a pressa de adormecer... mas não faz mal, porque tu até sabes que os sonhos eram bonitos.
Mas, esta descrição das insónias, veio mesmo a propósito de quê?
Ah! Já sei... da minha noite mal dormida.
Pois é, tive uma noite de insónias... eu e provavelmente mais um milhão de pessoas num canto qualquer do globo terrestre.
Hoje de certeza que vai ser diferente! Esta noite vou-me deitar na cama e vou adormecer como uma pedra...

domingo, abril 10, 2005

Escrever sem mãos


Queria escrever sem mãos...
Cuspir as palavras
entre os dentes encerrados na boca trancada.
Fechar os olhos
e na escuridão decalcar letras cegas.
Dar um murro com força no peito
e sentir o coração parar.
O silêncio...
essa música ambiente
que polui os ouvidos.

Queria escrever sem mãos
A cor do teu mar
das ondas que rebentam nas minhas pernas
trémulas e inseguras
perto da tua doçura.
Pintar a tua boca
com tinta preta nos dedos
e beijar os teus lábios com palavras azuis.

Trepar o teu pescoço
com as mãos amarradas
nos teus ombros firmes.
Escalar o teu peito
com a língua molhada de prazer
Pendurar-me nos teus braços
e ali ficar suspensa
como um ramo balançando ao vento.

Queria escrever sem mãos...
O suor do meu corpo
depois de uma noite tua.
O sorriso exausto pela entrega da minha boca à tua.
O respirar ofegante daquela viagem
fundida no teu corpo.

Queria escrever sem mãos...
Porque quero-as sempre livres
para te abraçarem.




quarta-feira, abril 06, 2005

Entrelaçados


É de mãos dadas e com os olhos
embalados no movimento das ondas
que caminhas nos meu sonhos.
Não se vê mais ninguém naquela praia
só nós dois em plena sintonia no silêncio
ouvindo o nosso lento respirar.
Levo-te para o meu mundo
preso nas minhas mãos frias
entrelaçado no calor das palavras
em queda no precipício da minha boca
Envolves o meu corpo num abraço
com o mar como testemunha
com a areia quente a servir de aconchego.
Apagamos as estrelas com um sopro
e tapamos os olhos à lua com as mãos suadas
para ficarmos sozinhos a saborear
com os lábios encostados os nossos sorrisos.

terça-feira, abril 05, 2005

Ansiedade


Estou aqui imersa no silêncio
este fiel companheiro da alma .
Não tenho muito tempo para pensar
porque é mais fácil sentir no momento
e deixar a emoção abrir a porta
sem a ouvir bater com muita força no peito.

Então, espero com os lábios ainda despidos
que desamarrem as palavras amordaçadas
vistam esta boca de murmúrios suaves
e com sussurros floridos de primavera
refresquem-lhe a pele .
Esperar...

Eu espero...
Nunca gostei de conjugar este verbo na primeira pessoa.

Sofro de uma patética ansiedade
que gosta de me roubar a tranquilidade
facilmente conquistada
apenas com um minuto de silêncio...
um só minuto deste mundo de sons estagnado nos ouvidos.

Fico ansiosa, porque espero
e tenho pressa de alcançar,
de prender todos os segundos nos meus braços.
Quero saborear todos os momentos
sem desperdiçar nenhuma gota
nem que tenha que lamber esses minutos
que teimam em escoar nas bordas do tempo.

Enquanto a garrafa vai-se enchendo
de sorrisos e frases com hálito a mentol
eu deixo a ansiedade guardada no escuro
beijo todos os sonhos com a boca anestesiada de ternura
e espero com os olhos estampados no luar
que aquela estrela distante adormeça comigo.



domingo, abril 03, 2005

Pedaço


Gosto de emparedar os sentimentos nas palavras
Pedra sobre pedra...
Noite após noite...
Uma lágrima depois de um sorriso.
As emoções reforçam a estrutura da minha alma,
esta incerteza abala as minhas fortalezas de papel.
Tenho um coração franzino e assustado
que navega no olhar por vezes doce...
Por vezes simplesmente solitário.
Com um pedaço sonhador
e dois de realidade vou moldando este ser
com mãos frias mas gestos quentes.
Sou aquilo que sou...
Que sei ser quando não fujo de mim
Quando caio das alturas com as mãos estendidas amparando a queda
se as minhas asas não se abrem a tempo.
Sou um pedaço de papel
solto no rodopio do vento que hoje sopra lá fora
esperando ser reduzido a cinzas na ponta de um qualquer fósforo aceso.

segunda-feira, março 28, 2005

Beber as lágrimas

.
Fogem-me lágrimas inquietas dos olhos cansados
escorrem pelo rosto numa suavidade ácida
corroendo a pele macia.
Molham o vidro do relógio parado
afogando a poeira depositada nos ponteiros
encharcando o tempo insosso.
Leio novamente os versos escritos
e numa monotonia avassaladora
vou arrasando pensamentos com turbilhões nascidos na mente.
Nas notas de cada balada ouvida
gotas salgadas abraçadas aos sorrisos discretos
dançam numa valsa giratória
até caírem tontas no chão de papel.
Queria matar esta dor que me consome lentamente a alma...
Queria secar esta fonte que corre nos meus olhos ...
Fogem-me as lágrimas dos olhos
e eu não as consigo beber com os lábios gretados .

terça-feira, março 22, 2005

Beijos agrafados


Como eu queria que as palavras
tivessem beijos agrafados na língua.
Seria mais fácil exprimir o que sinto
sem ser preciso tocar nesses lábios.
E se as lágrimas tivessem espelhos
em cada gota que cai?
Então seria transparente aos teus olhos a dor do meu rosto.
Não sei perfumar pensamentos...
Nem saberia que aroma escolher
para este mundo de emoções onde transbordo.
Tenho momentos...mas não são mais do que isso...momentos...
Em que sinto vontade
de arrancar todos os versos
como se eles fossem espinhos
e o meu peito a rosa onde eles estão cravados.
Mas depois olho para eles só mais uma vez
e aos meus olhos eles já não são mais espinhos...
São lindas pétalas azuis que coloram a minha breve negritude.
Então fico tonta a contemplar a sua beleza
e esqueço as feridas que eles rasgam na pele
e esqueço as lágrimas que neles choro .
Quando o poema chega ao fim
eu só tenho olhos para o sorriso doce
que saboreei nos beijos de papel
e esqueço tudo o que sonhei com a folha ainda em branco.

sábado, março 19, 2005

Naufrágio a dois


Mergulha no meu mar bravio
e rasga as minhas ondas
com as tuas mãos salgadas.
Despe a minha pele na areia molhada
e lentamente faz do meu corpo uma maré vaza.

Deixa os meus pedaços
espalhados nas dunas
e enlaça a tua boca de água
nos meus lábios de algas vermelhas.

Sente a tempestade desbastando a tua língua
num turbilhão de sensações
e ouve as rochas gritando os nossos nomes
enquanto os nossos corpos ondulam excitados.

Escuta o silêncio cantando para nós
murmurando baixinho em sintonia com as gaivotas
que sobrevoam as nossas cabeças
esperando os restos despojados desta loucura.

E quando a primeira estrela
desenhar o seu brilho no céu de prata
naufraga a tua alma na segurança do meu peito e adormece.

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Sombras violadas no tecto


Vou fazer na minha noite escura
um cenário de luz com estrelas de papel
brilhando no tecto do meu quarto.
Do cobertor de veludo estendido na cama
faço uma mesa requintada
com dois corpos servidos na sobremesa.
Com a boca esborratada com restos de morangos
vou provar essa pele de pêssego
pedacinho por pedacinho
sem me preocupar com a falta de guardanapos de papel.
Vou lambuzar os dedos
com a doçura que escorre nesses lábios famintos
até empanturrar o amargo da língua.
Depois vou ficar de barriga cheia
contemplando em silêncio
a noite reflectida nas sombras do tecto.

domingo, fevereiro 13, 2005

Rouba


Rouba-me o corpo com as tuas mãos frias
e guarda-me no bolso do pijama.
Estende-me em frente à lareira
e conta-me histórias até eu adormecer.
Fala comigo mesmo que eu não te oiça
prende os meus ouvidos na tua voz de mel.
Aquece-me o peito com palavras em chama
e degela-me a alma hibernada.
Escolhe para mim o teu melhor sorriso
e tatua-o na minha pele com agulhas de fogo.
Afaga-me os cabelos e enrola-te neles
até ficares tonto com o seu cheiro.
Prende o meu rosto no espelho da casa de banho
e corta os meus lábios com a navalha de barbear.

Fica com eles na carteira ... são teus!

segunda-feira, janeiro 31, 2005

Voar à chuva


Sobre montanhas salpicadas de branco
e vales cobertos por mantos de flores
estendo as asas moldadas nos sonhos
e flutuo na brisa da tua boca de vento
que me embala num voo sem destino.

Sinto o teu ar quente
acariciando as minhas penas...
apaziguando as minhas mágoas.
Sem olhar a paisagem que me rodeia
com os olhos compenetrados no teu corpo celeste
trespasso o céu com asas de fogo
e encharco as nuvens com o perfume da minha pele.

Sopras um último fôlego
antes que a brisa esmoreça
e aqueces as nuvens frias
formando na terra um rio de água perfumada.
Banhas-te na minha chuva
e eu docemente
pouso no aconchego da tua mão quente e adormeço.

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Sambar no silêncio


Mascaro as palavras com cores transparentes
e deixo visíveis os sentimentos que tento esconder.
Como posso camuflar o olhar brilhante que se acende
sempre que um sorriso espreita nas pestanas
e se pendura de cabeça para baixo nas sobrancelhas irrequietas?
Posso ocultar o riso que trepa pela boca apressado
para chegar a tempo de apagar o silêncio que arde no fundo da garganta?
Quem detém os meus dedos saltitantes
que nas negras letras do teclado
escrevem versos enamorados?
Eu não consigo sentir
sem o demonstrar ao mundo
nem que seja por um segundo...
Por isso passo horas com a cabeça curvada
debruçada nos meus longos pensamentos
com a mente fervilhando
e o coração batendo ao ritmo de um samba
dançado com passos bem marcados numa folha de papel.

quarta-feira, janeiro 12, 2005

Incertezas crentes


Se nas palavras pudesse delinear lábios
elas estariam sorrindo para ti
sorrisos rasgados com gosto a madrugada.

Se os olhos fossem tatuados com raios de sol
o meu olhar teria o brilho
das searas de trigo doiradas na terra quente.

Se as mãos fossem elásticas
eu esticaria a ponta dos dedos
percorrendo quilómetros de vazio
até tocar no universo da tua pele.

Se as estrelas pudesse guardar no meu peito
esvaziaria o meu coração numa batida apressada
e roubaria num segundo o luar estrelado à noite.

Se da minha saliva preparasse uma bebida gelada
ela seria doce como o sumo dos morangos
trincados na ternura da paixão com açúcar à mistura
mas deixaria um travo ácido a vodka com limão
nadando no ardor da minha boca despida de beijos.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Suicídio de plástico


Disparo balas com asas de borboleta
em direcção ao meu peito envidraçado
e fico parada a vê-lo estilhaçar ao vento.
Não perco sangue neste suicídio de plástico
as veias não sangram porque o vermelho já não mancha a pele.
É de azul que pinto o corpo desnudado
são os teus olhos que tatuo em mim
com o pincel molhado no teu mar de palavras .