segunda-feira, junho 29, 2009

Alfabetizar....


Foto por Daniela Pereira
http://olhares.aeiou.pt/estranha_forma_de_vida_foto2877585.html



Planificar...fazer um plano partindo de um nada não realizado. Realizar uma ideia...esboçar traços num paralelo que nunca se cruza com a mesma curva mas que ergue pedras no desejo de construir muralhas.
Construir..acto de desmoralizar o caos tornando-o em algo indiscreto mas perceptível ao olhar mais competente mesmo cercado de sombras e de certezas não registadas.
Sonhar... inventar uma história sem pés nem cabeça acreditando que as personagens sorriem porque te acham graça e não porque te acham ridículo. Ridicularizar.. fingir que és perfeito e que as tuas imperfeições não importam no peso de uma balança. Equilibrar prós e contras disfarçando o desprezado com corações cor de rosa esculpidos numa árvore sem ramos..
Reacção..acto de ser emotivo perante uma acção animal e estranha às tuas rotinas. Deslocar a poeira debaixo do tapete para ver se existe pó no teu passado escovado debaixo da tua cama. Cabelos de ouro arrancados onde existiam caracóis negros caídos ...
Imortalizar... encontrar uma forma de não esmagar um sonho, imaginando que foi pura realidade contra todas as anotações que anunciam a morte do que nunca existiu...
Inteligência...propriedade
dos que julgam que todos os outros são apenas mais um conjunto de parvos iguais a todos os parvos que inteligentemente conquistam...O problema é quando os parvos percebem que o são e interrogam a inteligência sobre o rótulo que lhes pregou no peito e o arrancam à força procurando os miolos que estavam desactivados quando o corpo apagou..
Crédulo..aquele que acredita sem contestar que o céu é azul porque as nuvens chovem no terreiro dos outros..aquele que faz dos sentimentos um cavalo de batalha sempre com uma pomba da paz a vigiar ao longe a sua caminhada e não vê que existe sempre um caçador ao pé de si...
Maresia... a brisa que nos recorda das madrugadas e do perfume das ondas do mar sentidos num acaso..por acaso e sem acaso algum se desvanece...

Daniela Pereira in Alfabeto dos que nunca aprenderam a ler...
Direitos reservados





quinta-feira, junho 25, 2009

A menina dos olhos de água ...





A menina dos olhos de água que trazia peixes no olhar afogou-se de peito aberto..
jurando que nem com a alma coberta de sal deixaria de ser doce
e chorou com o coração a transbordar de mel grosso..

Daniela Pereira
Direitos Reservados

domingo, junho 21, 2009

Diário do que nunca escrevi em ti...


Foto pela a autora Daniela Pereira

É quase meia noite...a hora dos pardos e dos murmúrios inacabados.
Hoje escrevo apenas para a minha escuridão...mas sei que uma luz vigia-me..ténue e fraca ensonada com medo de me ver cegar quando cerro os olhos aparentando já algum cansaço em demasia...
Mas nenhum sonho me derruba sem que eu me liberte de todas as minhas fantasias...e os pobres dos pesadelos ficam em lista de espera, esperando o meu adormecer sossegados.
Faço tranças no cabelo para recuperar alguma da minha inocência....saudosa da minha doce escravatura... Talvez não saibas, mas o monstro aqui um dia já foi criança ingénua ao pé de ti...
Lembro-me de ti e choro...talvez chore porque já te esqueces-te ou talvez soluce apenas porque há muito tempo atrás eu nunca te conheci...
Recordo com precisão de todos os recantos em que te beijei e todo o amor sentido que deixei espalhado com as tuas roupas, só pela pressa de te amar antes de não te ter aqui...no mesmo espaço desocupado em mim onde já não te tenho..
Afirmo com toda a determinação que os lençóis da tua cama eram sempre brancos e que a colcha que nos cobria no Inverno respirava em japonês e via filmes eróticos legendados a preto e branco para disfarçar o vermelho que lhe corria nas veias...tudo para não estragar o nosso cenário romântico.
Reconheço o aroma a rosas das velas que guardavas religiosamente no fundo de uma gaveta e todas as músicas que esperavam por nós em cima da mesinha de cabeceira..
E lembro-te até...fiel à estupidez que existe em todas as memórias desconexas...e lembro-me até daquela dança...daquela valsa abraçada com a tua roupa no meu corpo, despida do resto do mundo guiada só por ti...ali perdi a razão com gosto na melodia dos teus passos.
Tinhas uma lua cheia pendurada no tecto e todas as noites tenho que confessar que sentia uma vontade irresistível de a roubar só para mim para te deixar nu de toda a escuridão e sorria matreira enquanto respiravas ronronante.
Nunca vi o sol nascer no teu quarto, porque não me lembro de alguma vez ter adormecido quando desejava apenas ver-te a sonhar....Era mais feliz acordada, desperta de qualquer tentativa de encontrar um ponto fraco naquela ilusão e depois era ver-me a amar de olhos abertos pela noite fora...
Já corri descalça no teu chão depois de refrescar o corpo na tua banheira..Repara que digo sempre "tua" porque nada neste espaço foi um dia também um pouco meu...passar ali rasando perfume no corredor não te mudou os cheiros entranhados no design das paredes.
Tinhas umas lareira na sala, que por acaso nunca vi acesa...mas nunca senti gelar uma só emoção mesmo sem as labaredas crispando na tua fogueira... .
Fugia do frio calcando ligeira o negro do tapete e pulava para o teu leito feito sempre à
tua medida..
Partias e repartias livros e construções projectadas com o pó instalado nas prateleiras...Candeeiros à solta e outros tantos suspensos por um fio ou enroscados em teias complexas que não os deixavam cair ao chão... num equilíbrio perfeito, todos ficavam desejosos de iluminar a tua fácil solidão.
Tinhas gosto a tabaco e a todas as guloseimas que durante a tarde engolias..confundias-me os sentidos quando me beijavas com tantos sabores encruados na língua .
E os teus quadros? Tinhas quadros traçados por ti a exaltar a cor das paredes com amores passados que se exibiam em poses sensuais lembrando instantes onde o teu chão foi um enorme colchão de água...
No teu quarto nada te era familiar..apenas molduras sem rosto esperavam que um dia lhes devolvesses alguma alma e ficavam a olhar insistentemente para ti à espera que ainda as reconheças depois de despejadas das muralhas do teu castelo encantado.
Na sala tinhas ainda um sofá branco onde cavalgavas em mim quando o teu corpo adivinhava para onde queria ir o balanço do meu...e ali descansavas as tristezas e saciavas a tua fome por entre montanhas arrepiadas molhadas pela tua boca...
E trocávamos carícias só por trocar..porque era bom ter o que partilhar e um dia prometemos que nada ficaríamos a dever um ao outro porque teríamos sempre algo para dar...e os meus olhos brilhavam quando te sentiam numa cumplicidade que sussurrava perto de mim e afinal..afinal desconfiavas de todas as promessas com pensamentos que iam para longe...
Conhecia-te as curvas do pescoço..o peso das tuas mãos afundadas na minha carne e enterradas bem fundo na minha alma..adivinhava porém quando ias soltar aquele sorriso oblíquo e até a pele das tuas orelhas sabia ser presa a cativar por mim...
Por uma suposta curiosidade na tua cozinha não havia pão quente pela manhã...
A madrugada era quem nos alimentava sempre que nos ouvia os gemidos e as noites foram sempre acolhedoras para contarmos as horas com paixão...
Por vezes quando o silêncio se fazia sentir entre nós...eu erguia os dedos no ar como nas carteiras da escola e desenhava-te no vazio preenchendo-te pedaço por pedaço na união do meu olhar...depois repetia-te gulosa já nos teus braços e com toda a minha escrita amarga e doce fluías em mim como se fosses o meu mais rico poema...

Tristes são as memórias que já não faz sentido rever...porque sabemos que hoje florescem sem o calor das mãos que outrora as afagavam para que elas se pudessem fechar encontradas.

Felizes são os espinhos que nada têm a temer das feridas que consentem...

Olho para o relógio e as horas pardas ainda cá estão..são meia noite e meia eu com tanto ainda para dizer. Desculpa, mas ouço uma voz dentro de mim que me grita a medo vinda de algum canto virado do avesso... "Para ti poetisa, acabaram-se as folhas em branco e o coração a bater...adormece mais linda e segura porque não há mais nada para o teu pensamento decorar...porque tu já conheces esta história de cor...

The End is now..

Daniela Pereira in "Musas para trás das costas"...
Direitos Reservados

quarta-feira, junho 17, 2009

Drop

Porque o amor só pode ser simples para quem simplesmente nunca se atreveu a amar...
Todo o sorriso que morre tem que renascer da última lágrima até que o nosso rio chegue a um fim...
Porque o amor só pode ser chuva quando refresca e sol quando nos aquece...mas de pouco serve se numa tempestade não fizer dos braços um guarda-chuva para nos abrigar e se dos girassois desfolhados não guardar uma única semente...
Toda a magia se extingue quando o olhar desconhece o que era uma sombra de nós próprios de tanto a vermos ao espelho...depois sopramos o pó que ficou nas lembranças e nas marcas que ainda te parecem querer perfumar a pele... Trocamos de rosto...vincamos decisões e explicações sem nada saber para além de uma carne que sabe a vinho do Porto envelhecido....ironicamente sentimos que estamos mais sóbrios do que nunca e mergulhamos no desconhecido outra vez cheios de coragem...

* my sweet child

Daniela Pereira
Direitos Reservados

domingo, junho 07, 2009

Das pedras do teu chão fiz-te um caminho...





Caminhou...caminhou decidida a ir lado nenhum...
Partiu à procura de nada, certa que só assim o "tudo" a encontraria...reconhecendo-a pelo vazio que levava bordado junto ao peito.
Pensou que o Sol poderia ser o pote de ouro que em sonhos os duendes lhe falavam...e esqueceu as estrelas inventadas sorrindo para as cascatas...
E se todas as aves fossem douradas?
Mataria a fome de todos os corações pobres com penas e ouro...
Mas se as aves do paraíso fossem mortas...não ficariam mais tristes os jardins?
Porque não pintá-las de azul e pedir-lhes que o mar se acalme outra vez?
Vingamos o tom que nos foi roubado e exigimos de todas as pedras do chão um rigoroso silêncio...Não haverá uma segunda oportunidade para aquele grito em vão...
Fez círculos na parede... mas o maior apesar de ser de linha fina não se fez rogado e engoliu todos os pequenos só porque pesavam toneladas nas cores sóbrias da parede....
Comem-se uns aos outros...assim como se devoram as Mulheres quando um Homem se sente mais só...
Partimos à procura de "tudo" com os olhos cheios de um nada esperançados que o amanhã nos erga das memórias célebres taças...
Existem vitórias que sabem a pão caseiro e vinho branco em cima da mesa...
Existem derrotas que cheiram a tabaco e a sofás de pernas curtas...
Mas caminhou com o horizonte queimando-lhes as entranhas...sentindo as rugas que lhe apertavam o pescoço e as mãos amputadas que ainda lhe percorriam o corpo à procura de carne para trincar...
E os olhos já não tinham espaço para o rio que caminhava junto dela...o tempo parecia parar sempre que ela sorria...
Convencido que aquele sorriso não ia durar para sempre apenas por ela o futuro chorava...

Daniela Pereira in " Poeticamente falando do corpo para não prosear a alma"
Direitos Reservados