segunda-feira, abril 25, 2005

Cortar as palavras num só golpe



Corto os pulsos sem lâmina
porque prefiro uma morte lenta
e a dor sabe fazer esse trabalho sujo
melhor do que ninguém.
Mata lentamente a alma com a cadência certa dos ponteiros
de um velho relógio de corda
pendurado na parede.

Enquanto o coração
tenta manter a batida
dando murros no peito
eu fico sozinha
refugiada em mim mesma
enxugando todas as lágrimas
que rolam pelo pescoço
até apenas restarem pacotes de lenços vazios
estendidos em cima da secretária.


As palavras ...
já só gaguejam no papel
com receio do que poderão dizer
se escancararem com violência todas as letras.

As mãos...
tremem assustadas com a intensidade
das letras que carregam nas costas
e inocentes vão sufocando os gestos
com as linhas que ficaram por escrever
entaladas nas curvas da caneta.

domingo, abril 24, 2005

Ao acaso...


Quero gritar bem alto...
Projectar as palavras
para longe da garganta.
Libertá-la deste nó
que a sufoca
sempre que abro a boca.

Escrever frases sem nexo
sem conexão com os sentidos.
Cortar ligações entre palavras
e os sentimentos enlouquecidos .
Amachucar as letras
como se elas fossem apenas desperdícios.
Juntá-las por brincadeira
e como uma criança
construir palavras sem pensar.

Respirar lentamente
este ar doce que me envolve
enquanto a noite acaricia
a minha pele com mãos de veludo.
Olhar em frente
mas com o coração debruçado
nas curvas do silêncio
que ecoa no quarto.

Respirar profundamente
e asfixiar-me de desejos.
Rasgar os lençóis da cama
com os dentes trilhados na seda.
Quero rir bem alto...

Pregar os sorrisos à parede
como se fossem quadros.
Ensurdecer o silêncio
com gargalhadas sonoras.
Mergulhar numa banheira
encharcada de perfume
e fazer inveja às rosas.

Quero sonhar que ainda estou viva
enquanto caminho nas nuvens
e deixar morrer suavemente nos meus braços
todos os desejos sonhados contigo ao acaso.


quarta-feira, abril 13, 2005

Receita para uma insónia...


Esta manhã acordei com os pensamentos baralhados, como se alguém tivesse invadido a minha cabeça e com o intuito de encontrar alguma diversão tenha cruzado todos os momentos guardados e espalhado aleatoriamente as emoções que a eles estariam correspondidas.
Como é que eu poderei explicar melhor este acto?
Foi como se as alegrias inerentes aos bons momentos passassem a ser sentidas como sorrisos de plástico... melhor ainda, como se as palavras coloridas tivessem sido todas pintadas com uma tinta negra bem carregada. Já os maus momentos, esses foram crescendo exponencialmente, porque alguém decidiu que existia mais emoção e desafio nas operações de multiplicar do que nas banais subtracções. Vendo bem, até que é compreensível essa escolha!
É engraçado, acordar, depois de uma noite mal dormida... daquelas noites em que podemos perder todo o tempo do mundo a olhar para o tecto que mesmo assim ele não muda de cor. Nem vale a pena, fixarmos os olhos com firmeza nessa estrutura imutável ... só o preto da escuridão reina na noite, não há espaço para outras cores.
Nessas noites de insónia, o tempo parece que se esquece de passar... fica por aí distraído com alguma imagem sedutora e vai-se deixando ficar a saborear todas as horas intensamente. Enquanto ele se distrai, tu esperas que essas horas corram e dás voltas nos lençóis, como se fosses um bicho numa derradeira tentativa de escapar ao seu cativeiro. Ficas nervosa, com a ansiedade entranhada na pele e os olhos vermelhos de cansaço. É então, que se inicia o ritual do tentar adormecer... primeiro fechas os olhos, mas fechas os olhos com força, como se tivesses um cadeado nas pálpebras . Depois, vem o esvaziar da mente.
Esta fase é a mais complicada... nunca é fácil conseguir "arrumar" num cantinho os pensamentos e varrê-los todos da tua cabeça . Existe sempre alguma "poeira" que nos esquecemos de limpar, ou porque está bem escondida ou simplesmente porque está tão agarrada aos teus neurónios que nem com uma espátula a consegues remover. Então, vais-te remexendo na cama à espera que esse gesto agressivo assuste os teus fantasmas. Quando sentes que a tua mente já entrou num processo de anulação , inicias rapidamente uma nova fase... agora preenches outra vez a mente vazia com os teus desejos e os teus sonhos.
É lindo, parece que despejas-te sem querer na tua cabeça ,uma lata inteira de tinta cor de rosa, daquelas bem foleiras. Pronto, agora é só ficar a sorrir, com um sorriso dengoso o resto da noite, e o teu problema de insónias está resolvido. Amanhã, já esqueces-te tudo, porque foram só ilusões criadas com a pressa de adormecer... mas não faz mal, porque tu até sabes que os sonhos eram bonitos.
Mas, esta descrição das insónias, veio mesmo a propósito de quê?
Ah! Já sei... da minha noite mal dormida.
Pois é, tive uma noite de insónias... eu e provavelmente mais um milhão de pessoas num canto qualquer do globo terrestre.
Hoje de certeza que vai ser diferente! Esta noite vou-me deitar na cama e vou adormecer como uma pedra...

domingo, abril 10, 2005

Escrever sem mãos


Queria escrever sem mãos...
Cuspir as palavras
entre os dentes encerrados na boca trancada.
Fechar os olhos
e na escuridão decalcar letras cegas.
Dar um murro com força no peito
e sentir o coração parar.
O silêncio...
essa música ambiente
que polui os ouvidos.

Queria escrever sem mãos
A cor do teu mar
das ondas que rebentam nas minhas pernas
trémulas e inseguras
perto da tua doçura.
Pintar a tua boca
com tinta preta nos dedos
e beijar os teus lábios com palavras azuis.

Trepar o teu pescoço
com as mãos amarradas
nos teus ombros firmes.
Escalar o teu peito
com a língua molhada de prazer
Pendurar-me nos teus braços
e ali ficar suspensa
como um ramo balançando ao vento.

Queria escrever sem mãos...
O suor do meu corpo
depois de uma noite tua.
O sorriso exausto pela entrega da minha boca à tua.
O respirar ofegante daquela viagem
fundida no teu corpo.

Queria escrever sem mãos...
Porque quero-as sempre livres
para te abraçarem.




quarta-feira, abril 06, 2005

Entrelaçados


É de mãos dadas e com os olhos
embalados no movimento das ondas
que caminhas nos meu sonhos.
Não se vê mais ninguém naquela praia
só nós dois em plena sintonia no silêncio
ouvindo o nosso lento respirar.
Levo-te para o meu mundo
preso nas minhas mãos frias
entrelaçado no calor das palavras
em queda no precipício da minha boca
Envolves o meu corpo num abraço
com o mar como testemunha
com a areia quente a servir de aconchego.
Apagamos as estrelas com um sopro
e tapamos os olhos à lua com as mãos suadas
para ficarmos sozinhos a saborear
com os lábios encostados os nossos sorrisos.

terça-feira, abril 05, 2005

Ansiedade


Estou aqui imersa no silêncio
este fiel companheiro da alma .
Não tenho muito tempo para pensar
porque é mais fácil sentir no momento
e deixar a emoção abrir a porta
sem a ouvir bater com muita força no peito.

Então, espero com os lábios ainda despidos
que desamarrem as palavras amordaçadas
vistam esta boca de murmúrios suaves
e com sussurros floridos de primavera
refresquem-lhe a pele .
Esperar...

Eu espero...
Nunca gostei de conjugar este verbo na primeira pessoa.

Sofro de uma patética ansiedade
que gosta de me roubar a tranquilidade
facilmente conquistada
apenas com um minuto de silêncio...
um só minuto deste mundo de sons estagnado nos ouvidos.

Fico ansiosa, porque espero
e tenho pressa de alcançar,
de prender todos os segundos nos meus braços.
Quero saborear todos os momentos
sem desperdiçar nenhuma gota
nem que tenha que lamber esses minutos
que teimam em escoar nas bordas do tempo.

Enquanto a garrafa vai-se enchendo
de sorrisos e frases com hálito a mentol
eu deixo a ansiedade guardada no escuro
beijo todos os sonhos com a boca anestesiada de ternura
e espero com os olhos estampados no luar
que aquela estrela distante adormeça comigo.



domingo, abril 03, 2005

Pedaço


Gosto de emparedar os sentimentos nas palavras
Pedra sobre pedra...
Noite após noite...
Uma lágrima depois de um sorriso.
As emoções reforçam a estrutura da minha alma,
esta incerteza abala as minhas fortalezas de papel.
Tenho um coração franzino e assustado
que navega no olhar por vezes doce...
Por vezes simplesmente solitário.
Com um pedaço sonhador
e dois de realidade vou moldando este ser
com mãos frias mas gestos quentes.
Sou aquilo que sou...
Que sei ser quando não fujo de mim
Quando caio das alturas com as mãos estendidas amparando a queda
se as minhas asas não se abrem a tempo.
Sou um pedaço de papel
solto no rodopio do vento que hoje sopra lá fora
esperando ser reduzido a cinzas na ponta de um qualquer fósforo aceso.