segunda-feira, agosto 29, 2005

Sonho numa noite fria de Verão



Este corpo é carne envolvida
em seda macia ao toque.
Esta alma é uma escultura de vidro
transparente aos olhos que a imaginaram sem defeitos.

E as tuas mãos o que são?

Uma perfeição esculpida com dez dedos delicados
que desvendam os segredos da minha pele
com os olhos fechados.
Posso jurar-te sem mentir
que eles sabem a mar
quando os lambo das tuas mãos
à luz das velas apagadas.
Essas tuas mãos são tão quentes...
É como se as tivesses posto na brasa
antes de as derreteres no meu umbigo.
E como são belas...
Mais belas que aquele jardim
que encontramos escondido nas nuvens
onde tu e eu
caminhamos salpicados de areia branca.

E esse beijo com gosto furtivo?
Ai, esse beijo...

Levou-me à lua num milésimo de segundo
enquanto os meus lábios explodiam numa paixão acalorada.
Roubou-me os sentidos
quando a tua língua
se enrolou na minha
e lá ficou mastigando calmamente
a minha boca macia.
Então lembro-me vagamente
de me deixar cair nos teus braços
na certeza que me abraçavas.
E ali fiquei suspensa por longos momentos
numa queda em câmara lenta
até ouvir o tempo desiludido
sussurrar-me ao ouvido
que o meu sonho chegara ao fim.
Nesse instante abri os olhos
e senti frio em plena noite de verão

Daniela Pereira

quinta-feira, agosto 25, 2005

Uma rosa da rua e um homem só




Hoje encontrei no caminho
uma flor solitária.
Tinha um doce aroma a baunilha
e nas pétalas uns lábios vermelhos bem pintados.

Olhei para a desgraçada
presa no chão empedrado
e ela curvou-se na minha direcção
apoiada numa brisa delicada.
Medi-lhe os contornos
esticando o olhar até ao seu limite
e com o sangue fervendo
roubei-lhe o perfume do peito.

Sem pensar ...
aproximei-me da sua fragilidade
docemente encantadora
com as más intenções
ocultadas nos dedos cruzados.
Então, não resisti e toquei-lhe...

Toquei-lhe
para sentir o seu corpo de seda
num toque fugaz.
Depois espetei os dedos nos seus cabelos de espinhos
e bebi-lhe a alma com a boca molhada.
Quando a esvaziei por completo
ela desnudou a sua inocência só para mim
e com as mãos frias estendidas
implorou-me que comprasse
a rua onde caminha
com notas bordadas no vestido.

Daniela Pereira 25/08/05

sexta-feira, agosto 19, 2005

Carne licorosa



Da varanda do hotel
vou recolhendo o ontem em lembranças de espuma.
Fundo momentos com o mar
e fico a vê-los morrer na serenidade
de uma onda quebrada.

Viajo quilómetros
com os olhos embarcados na saudade
e vou sorrindo
para o céu azul que espreita
as minhas mãos vazias de suspiros.

Vou perdendo sonhos na areia
como se fossem migalhas.

Depois ao regressar à praia no fim da tarde
já não os encontro
porque partiram à deriva
nas asas de uma gaivota alucinada.

Então...
afogo sentimentos numa taça de vinho
servida bem gelada
para não destoar com o frio cravado no coração.
Perco-me em tradições
que não são minhas
e cultivo sorrisos frágeis
nas folhas de uma videira.

Á noite, deito-me embalada
pelo som de uma gaita de foles embruxada
e não me reconheço
naquele papel de feiticeira.
Não quero acreditar
que seja eu
quem está reflectida naquele espelho...
Mas os olhos não mentem
e naquele momento mágico
sou apenas mais um corpo
bem regado a licor.

Daniela Pereira

quinta-feira, agosto 11, 2005

Trovoada matinal





Hoje sei que acordei...
Como sempre acordo
com os pensamentos encostados no meu ombro.
Sempre com aquela vontade imensa de fugir...
De correr sem nunca mais parar
e deixar para trás o mundo.
O Mundo...
Aquela bola gigante
onde rodopio de olhos fechados
e com pregos cravados nos pés descalços
inocentemente mergulhados na brancura das nuvens.

Hoje sinto que as palavras de nada me vão servir
Precisava de as multiplicar por mil
e teriam de ser todas sussurradas
com suavidade.
Ditas com ternura e
escritas com a alma despida
para eu voltar a acreditar nelas.

E o mar azul que tanto admiro?
Hoje tinha que ser pintado de novo
com cores mais garridas
Porque o verde das algas
e o azul das águas hoje não vão disfarçar o breu instalado no olhar.

Procuro por entre as caixinhas de música
uma melodia que me acalme e
embale esta tristeza que me vigia de perto.
Enquanto os sons se espalham na sala
voando em todas as direcções
com emoções amarradas nas asas
eu toco lentamente com finos dedos
mais uma tecla ocasional
e fico à espera pacientemente que a profundidade de um poema
engula a tempestade que troveja no meu corpo.

Daniela Pereira

segunda-feira, agosto 08, 2005

Embarcar na cama ao lado



Abriu o caderno lentamente
mais ou menos no seu meio
e escancarou-lhe as páginas em cima da mesa.
Hoje decidiu rabiscar uma palavra vagabunda
e uma linha escrita ontem
é terminada apressadamente com um ponto final desfocado.

Salta algumas folhas distraídamente
ainda habituada à precisão do toque de um teclado
e com as letras cabisbaixas chora no papel.
Mas no seu pranto não se esquece
de perseguir a fantasia com a mãos sujas de tinta
e vai pintando um mundo que não é o seu
com palavras tímidas expelidas da boca.

Não é uma mulher original...
Nem sequer se distingue das outras
que o homem esculpiu para decorar a monotonia do seu jardim.
Não tem asas de anjo
mas voa rente aos sonhos
e rouba-lhes todas as noites pedaços do seu encanto
apenas porque isso a faz sorrir.

Pega fogo aos olhos com paixão
na certeza de ver o pôr do sol forrado no olhar
e a escuridão da alma reduzida a cinzas.
Perde-se em desejos carnais
deitada num colchão de delírios
com os lençóis cobrindo-lhe os seios apetecidos.
Atinge a lua num grito agudo
enquanto o corpo treme de prazer
aguardando ansiosamente a chegada da próxima onda musculosa.

Mas não se sente segura naquele mar de abraços inconstantes
A pobre mulher docemente sonhadora...

Então, quando a madrugada bate à janela
desce do barco das ilusões
e com as unhas vai abrindo estradas
na esperança de finalmente descansar na segurança
da cama ao lado.


Daniela Pereira 07/08/05


terça-feira, agosto 02, 2005

Eu reflectida na tua janela



Não me conheces...
Ninguém me conhece por inteiro.
Porque sou apenas mais um caco
daquele vaso partido na sala.
E é o pedaço mais bonito,
o que tem mais cor que exibo cheia de orgulho
nas mãos esmaltadas com palavras...
Aquele pintado com sorrisos nas pétalas
e ilusões nas folhas.
Mas se olhares de perto
vais notar os cortes
que fiz nos joelhos
quando tentei saltar para o topo do mundo.
Quando quis fugir dos meus medos
e atrever-me a virar para sempre as costas à minha realidade
com toneladas de sonhos aconchegados no peito.
Mas deixei o mundo partir
e fiquei a acenar no cais
enquanto fazia amor com os teus olhos.

Não sabes que danço bem...
Acho que sou a maior bailarina do universo
quando solto o meu corpo
ao som de uma cascata de emoções
e fundo a minha alma às notas que bailam na pista.
Ganho asas quando solitária
serpenteio a carne no calor da noite
e sabe tão bem essa liberdade de borboleta temporária.

Nunca viste a revolta que guardo escondida na gaveta
mesmo por debaixo do caderno dos poemas.
A vergonha de atirar oportunidades pelo chão
como se fossem berlindes coloridos
apenas por não ter coragem de sentir a dor a estalar nos dedos.
É preferível rasgar mais uma folha
e atirar a raiva contra a caneta
para me sentir menos culpada por não tentar.

E sabes que também choro?
Claro que sabes...
Passo o meu tempo a chorar no teu ombro
e a cobrir as tuas palavras serenas com sal.
Sou quase uma nuvem carregada
pronta a molhar qualquer deserto
que se pendure nos meus braços.

Não me conheces...
Porque eu não quero dar-me a conhecer
e adoro imaginar que sonhas com os meus mistérios
sempre que invado sorrateira as tuas noites
com versos perfumados presos às ondas do cabelo.

Daniela Pereira 31/07/05

segunda-feira, agosto 01, 2005

Partem-se pedras



Partem-se pedras abandonadas na alma
martelando flores nos dedos ansiosos por uma carícia.
Virando de pernas para o ar
o relógio da cozinha
esperando que o tempo retroceda.
Escrevendo as palavras ao contrário
cravando o bico da caneta à direita da folha
e deslizando suavemente pelo papel.
Desenhando com a tua mão esquerda irrequieta bocas amanteigadas no tecto
enquanto dos teus olhos vão pingando gotas de mel.

Barras o corpo nos lençóis
e vais dourando a pele
enquanto dás voltas na grelha
para atingires o tom perfeito.
Gritas baixinho
porque tens a garganta entupida
com os pedaços de vidro que engoliste esta noite.

Porque sabes que uma moeda oferecida a um pedinte
não lhe enche a barriga
insistes em furar o teu coração
para que dele caiam sempre migalhas doces
prontas a alimentar uma alma carente
que encontres por aí
nas tuas caminhadas sonhadoras.

Por agora vagueias tranquilamente
com as mãos incendiadas
em nuvens de chuva ácida
com palavras básicas protegendo a fragilidade da tua pele.
E vais partindo pedras incessantemente
Uma a uma
Devagar...
sem sentires pressa nenhuma.
Porque a tua alma é profunda
e ainda tens muitas flores para semear nos teus ossos.

Daniela Pereira 31/07/05