quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Saudades da inocência



Perco o olhar e deixo-o a divagar solitário como se fosse um vagabundo e nos meus olhos acolho a saudade com carinho. Inspiro fundo e fico prisioneira de um ar doce onde sucumbo numa lenta asfixia que me dá prazer. Já vou longe montada no dorso dos meus pensamentos mas o meu corpo ainda está petrificado numa cadeira de baloiço irrequieta. Embalada nos braços reconfortantes de uma melodia, vou sentindo os músculos sonolentos pedindo para adormecer e hipnotizada pelas emoções que me toldam a alma obrigo-os a ficarem despertos por mais alguns minutos apenas. Porque sabe tão bem sentir este balanço nas nuvens ao som desta música de embalar enquanto viajo no tempo. Fecho então os olhos sem saber mais como posso resistir ao apelo da escuridão temporária que invade a minha tarde triunfante .Mas deixo apenas um grão de areia por escoar nos meus dedos para que a alma tenha tempo para silenciar as batidas do peito e depois sopro o presente da minha pele.Então regressam as tranças negras ao meu cabelo e rebelde faço beicinho limpando o batom dos lábios com a palma da mão enquanto vou dando gargalhadas sem me preocupar que os vizinhos possam ouvir o meu riso e estranhem a falta das lágrimas caindo no meu rosto triste por natureza. Nas mãos acaricio alegremente uma flor e vou brincando com as pétalas invejosa por reconhecer tanta beleza esculpida num único ser terreno. Subitamente dou por mim desejando ter feições de uma deusa só para a humilhar e roubo-a para enfeitar o meu corpo de mulher. Então, cresce-me nas pernas uma vontade de voltar a correr pela floresta só para me esconder das sombras reprovadoras ,que me perseguem ,trepando às árvores para depois atirar-lhes caretas empoleirada nos ramos. Lentamente vai nascendo um sorriso nos lábios despidos de cor e relembro a miúda traquina com mil ideias mirabolantes guardadas nos bolsos que cautelosa e com medo dos olhares curiosos escondia os seus preciosos sonhos nos corações de borracha das bonecas. Numa pura diversão sabia inventar brincadeiras sem fim sentada à porta de casa e rodeada de amigos coloria as horas com os dedos sujos de tinta. Depois deixava a marca da sua alegria estampada nas paredes da rua e partia ao pé cochinho para mais uma aventura com um punhado de terra dourada brilhando nos olhos.

Daniela Pereira

1 comentário:

kimikkal disse...

Tenho sempre a sensação que não aproveitei ao máximo esses tempos, que podia ter feito mais...