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Já respirei!...
Ia jurar que já tinha respirado
mas o sangue ainda ferve
e nas veias corre
sem previsões para abrandar...
É pele que cravas nas unhas ou são máscaras que te caem da carne
agora que despis-te a tranquilidade que te vestia o rosto?
Tens os olhos inchados e o nariz está torto
por tantas verdades em ti suportadas...
Vi-te ontem...trajado de bom menino
chorando aos pés de alguém...
Ajoelhei-me e rezei..
pedi ao infinito para te roubar a leveza da voz...
para que o tempo fosse implacável
a sufocar-te em lembranças..
Por cobardia confesso
que menti em todas as preces
e que ontem pela primeira vez
não pensei em ti...
Não te deixes enganar pelas palavras...
estás calado aqui dentro!
Respira!
Já respirei..
jurou um pulmão
esfomeado por um pouco de ar..
Dou uma gargalhada
e a saliva já me cospe o sangue
do último murro que do meu peito
fez carne ferida...
Que gosto terá o ar quando é puro?
É pele que cravas nas unhas ou o teu choro é de pedra agora...
que me farejas de longe todos os ossos?
Tens a boca grande e os teus dentes trincam sobras
como se o teu estômago fosse a única sobremesa que engoles...
Lá bem no fundo ainda exibes orgulhoso
restos do último piteu
que te jazia no prato aquecido...
Enriqueces pela ponta da língua...
nunca pela ponta dos dedos...
Inspira..
Já inspirei
acena um pulmão
vagamente interessado no meu novo respirar..
Fecham-se as bocas com fome e a sede de sufocar mata-se pelo nariz..
porque das peles expiradas já nada resta...
Foi o carrasco do amor que já me levou a alma
para o cume das montanhas
onde o meu sonho fala sempre mais alto que a dor...
O corpo dorido?..
esse atirei-o ao mar cansada de tantas alianças...
Respira...
Já respirei...
Daniela Pereira in " O amor pressupõe dois lados opostos"
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