sexta-feira, outubro 06, 2006

As sobras do tempo




Hoje sobra-me tempo a mais
para dizer o que sinto
porque as horas
já conhecem os meus gestos de cor e salteado.
Acabaram-se os segredos
que por ti ainda guardava na manga
e todos os coelhos mágicos fugiram da cartola
vencidos pelo cansaço.
Resta-me os aplausos
De um público
Ludibriado por meia dúzia de palavras
Que ficaram esquecidas
E que o vento não soprou.

Então, acho que ficarei calada...
Unirei os meus dedos
E numa irmandade de sangue
Vou costurar os seus corpos
De costas voltadas
Para que não mais tentem segredar.
Talvez o meu silêncio
Possa gritar mais alto
Que todos os gritos
Que nas paredes deixei por engano.

Mete-me raiva este silêncio...
Tão cheio de tranquilidade
E de certezas falsificadas
Em papéis envelhecidos
Com a tinta demasiado desbotada
Para conseguir ler o que neles ainda dizes.
Prefiro não ver a rapidez da tua boca
Fingindo que vejo
O tempo a passar lentamente
Sem saltos bruscos
Nem espaços vazios
Que se prendam ao infinito no meu olhar.
Mas sei que hoje o tempo sobra...
Sobra-me tempo...
Tempo..
para sentir que todas as palavras de orvalho
têm demasiado tempo para murchar
abandonadas numa madrugada de pele e osso.


Daniela Pereira-06/10/06

1 comentário:

Filipe disse...

Mais uma vez digo e me repito... o silêncio tem essa especial particularidade de despertar, acordar as palavras, os sentimentos adormecidos no coração... na alma...
Ha dias assim... vamos constatando que aquilo que realmente sentimos é muitas vezes não tão condizente com a imagem que trespassa para aqueles que nos rodeiam. Ficamos zangados com nós próprios por ser-mos nós próprios os castradores da liberdade dos sentimentos que tanto apregoamos.
E assim ficamos, invariavelmente... em silêncio com o nosso EU... vendo-nos de fora para dentro... comparando-nos de dentro para fora... e... e a vida segue seu rumo nos trilhos que os nossos sorrisos e as nossas tristezas desenham. (mas que na nossa sombra se escondem)